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Segundo turno da eleição presidencial brasileira ocorre sob a sombra da “contagem paralela” de votos por militares

O segundo turno da eleição presidencial brasileira, previsto para o domingo, 30 de outubro, está se desenrolando sob a sombra de uma “contagem paralela de votos” e “auditoria” das urnas eletrônicas do país por parte dos militares que não encontra precedentes. O comando das Forças Armadas está na prática alinhado com as falsas alegações de fraude eleitoral utilizadas pelo presidente fascistoide Jair Bolsonaro para justificar sua já anunciada recusa em admitir uma provável derrota.

Comandantes das Polícias Militares reúnem-se com representantes do Tribunal Superior Eleitoral para discutir as eleições. (Crédito: Alejando Zambrana/Secom/TSE) [Photo: Alejandro Zambrona/Secom/TSE]

Há quatro anos, Bolsonaro alega que foi somente por uma fraude eleitoral a favor de seu adversário nas eleições de 2018, Fernando Haddad, do Partido dos Trabalhadores (PT), que não obteve uma vitória no primeiro turno. Desde então, antecipando o ódio gerado pelos ataques generalizados ao nível de vida dos trabalhadores que ele implementou em nome do capital nacional e estrangeiro, Bolsonaro tem atacado incansavelmente o sistema eleitoral brasileiro e alistado os militares para estes ataques.

Nos últimos dias antes do segundo turno, após Bolsonaro ter ficado 6 milhões de votos atrás do ex-presidente do PT Luiz Inácio Lula da Silva no primeiro turno, a situação é mais perigosa do que nunca. Os militares permaneceram em silêncio sobre sua “auditoria”, enquanto Bolsonaro repete suas afirmações de que não aceitará os resultados a menos que os militares os endossem, apesar de não terem nenhum papel constitucional na questão.

De modo mais grave, quando solicitado na semana passada tanto pelo Supremo Tribunal Federal (STF) quanto pelo Tribunal de Contas da União (TCU) a divulgar seu “relatório”, o Ministério da Defesa respondeu que não tornaria pública nenhuma análise “parcial” antes da conclusão completa de sua “auditoria”, e que isto só aconteceria após 5 de janeiro, ou seja, após a posse do próximo presidente, marcada para 1º de janeiro.

Todas as negociações a portas fechadas entre aqueles que declararam Bolsonaro um “fascista” e uma ameaça existencial à democracia brasileira, acima de tudo a oposição no Congresso liderada por Lula e o PT, até agora tiveram como único resultado elevar os militares ao papel de árbitro final das eleições, sejam quais forem os resultados do segundo turno de domingo.

Agora, enquanto Bolsonaro afirma que os resultados do primeiro turno são suspeitos e chama seus apoiadores fascistas para sitiar os locais de votação no segundo turno, os militares efetivamente declaram que não reconhecerão os resultados das eleições até depois da posse do próximo governo, se é que em algum momento o farão.

Tal declaração representa uma ameaça sombria, dada tanto a história sangrenta dos militares brasileiros quanto a crise intratável do capitalismo mundial, que encontra uma expressão particularmente aguda no Brasil. Apoiados pelo imperialismo americano, os generais brasileiros depuseram o governo nacionalista-burguês de João Goulart, do Partido Trabalhista, em 1964, prometendo eleições “limpas” um ano depois, antes de fechar o Congresso, abolir os partidos políticos e o habeas corpus, expurgar o STF e matar, torturar e enviar para o exílio milhares de oposicionistas. Este reinado de terror duraria 21 anos e seria um terreno fértil para golpes de Estado ainda mais sangrentos em todo o continente, fazendo centenas de milhares de vítimas.

A rápida aceitação pela classe dominante brasileira do fascistoide Bolsonaro, um ex-capitão do Exército e apoiador aberto das execuções políticas da ditadura, como um dos principais candidatos à presidência e depois presidente, sinalizou claramente que esta história não era, afinal, “passado”, como afirmavam o PT e a mídia corporativa. Agora, os militares anunciam em alto e bom som que estão arrogando para si mesmos o direito de decidir sobre a legitimidade das autoridades civis, o que poderia evoluir rapidamente para uma nova ditadura.

Como os desenvolvimentos recentes expõem claramente, tais perigos não podem ser combatidos com um voto a favor da oposição burguesa a Bolsonaro, ou seja, Lula e o PT. O principal objetivo da oposição, que jurou sua fidelidade ao capitalismo brasileiro em inúmeras reuniões com grandes empresários e emissários estrangeiros, é anestesiar a opinião pública diante da crise que abate o capitalismo brasileiro e internacional e impulsiona o crescimento das forças fascistas internacionalmente.

O objetivo da oposição é proporcionar uma sobrevida ao moribundo regime democrático-burguês brasileiro, a fim de evitar um ataque de baixo, abrindo efetivamente o caminho para um ataque redobrado pela direita.

Nestas condições, a recusa dos militares em descartar a fraude eleitoral, dando a Bolsonaro um apoio-chave para seus apelos fascistoides pela anulação dos resultados do pleito, está sendo completamente ignorada pela oposição. Horas antes de um comício no histórico Teatro da Universidade Católica em São Paulo na segunda-feira, reunindo dezenas de intelectuais e artistas, Lula declarou que espera que Bolsonaro lhe telefone para reconhecer a derrota no domingo à noite.

Lula reagiu de forma semelhante após a notícia, na noite de quarta-feira, de que Bolsonaro havia retornado apressadamente de um evento de campanha para Brasília para se reunir com os chefes militares, antes de anunciar que iria recorrer ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) por supostamente permitir que estações de rádio suprimissem sua propaganda eleitoral. O anúncio de Bolsonaro foi mais um passo em seus planos golpistas, cuidadosamente orquestrados, mas Lula o desprezou como um sinal de que o presidente está “desestruturado psicologicamente”.

Tais declarações, vindas do principal líder da autoproclamada esquerda e oposição “anti-fascista” brasileira, são politicamente criminosas. Diante dos planos golpistas em curso, o único argumento do PT é que ele deve retornar ao poder como o melhor meio de conter e desorganizar a oposição da classe trabalhadora a uma nova ditadura, através do uso de seu aparato sindical e de políticas identitárias pseudoesquerdistas.

Com os militares mantendo uma espada sobre a cabeça da próxima administração, só se pode esperar que, se eleito, o PT mova-se ainda mais para a direita, aprofundando o giro à reação religiosa, militarista e policialesca que tem sido a marca registrada do segundo turno.

Este giro começou com a profissão-de-fé ultra-direitista de Lula de que era “a favor da vida” e contra o aborto, e se aprofundou com seus apelos para que o bilionários e empresários declarassem seu apoio aberto ao PT como a melhor alternativa para restabelecer as relações do Brasil com o imperialismo mundial. O que se seguiu foram promessas às igrejas evangélicas que apoiam Bolsonaro de que elas terão controle sobre as políticas sociais em um novo governo do PT, conforme anunciado por Lula em uma “Carta aos Evangélicos” de 19 de outubro.

Agora, o PT está totalmente focado em se apresentar como a última linha de defesa do aparato policial. O partido tem se aproveitado de um enfrentamento no domingo passado entre o fascista bolsonarista Roberto Jefferson e a Polícia Federal, no qual Jefferson disparou 50 tiros de fuzil e atirou três bombas de efeito moral contra uma diligência enviada para prendê-lo em sua casa, no interior do Rio de Janeiro.

Jefferson foi o primeiro dos elementos ultra-direitistas – como o próprio Bolsonaro – a romper com a coalizão governista do PT depois que Lula foi eleito pela primeira vez em 2002. Então, como agora, ele liderava o corrupto Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), e denunciou o governo do PT por pagar propinas mensais em troca de votos na Câmara dos Deputados, inclusive para a aprovação de sua odiada reforma da previdência. Ele foi condenado a sete anos de prisão em 2012 por participação no esquema, deixando a prisão 15 meses depois. Mais tarde, ele conduziu o PTB em direção às forças fascistas, tornando-se um bolsonarista fiel e patrocinando, em julho de 2021, a entrada em massa no partido de membros do movimento tradicional fascista brasileiro, o Integralismo.

Ele foi preso logo depois por ordem do Ministro do STF Alexandre de Moraes, que agora preside o TSE, como uma ameaça ao Estado, com base no chamado “inquérito das notícias falsas”, que corre sob sigilo. Colocado em prisão domiciliar devido à saúde precária, ele violou repetidamente as condições da sentença, inclusive ao manter o arsenal usado para repelir os policiais federais.

Jefferson encarnou plenamente a estratégia golpista de Bolsonaro, indo às redes sociais, em violação de ordens judiciais, para reclamar das medidas contra “notícias falsas” do TSE, que dias antes havia ordenado a retirada do ar de centenas de vídeos e notícias pró-Bolsonaro, e proibido a rádio de extrema-direita Jovem Pan de reproduzi-los. Sabendo que sua provocação traria um novo mandado de prisão, Jefferson começou a transmitir ao vivo a chegada da polícia e mais tarde filmou uma poça de sangue de uma oficial atingida na cabeça por estilhaços de uma bomba de efeito moral. Deste modo, quando os reforços da polícia chegaram e finalmente conseguiram prendê-lo, sua casa estava cercada por bolsonaristas.

Bolsonaro então enviou à região seu Ministro da Justiça, Anderson Torres, que negociou por telefone a rendição de Jefferson, estando na cidade vizinha de Juiz de Fora. Ainda que Bolsonaro mais tarde tenha condado Jefferson como “bandido” a ser sofrer duras consequências, a proteção oferecida a ele com o uso do Ministério da Justiça envia uma mensagem clara aos apoiadores fascistas do presidente que foram convocados para sitiar os locais de votação no domingo.

Previsivelmente, a reação do PT foi de expressar solidariedade com a polícia e reforçar a mentira de que Bolsonaro é a única fonte de violência fascista no país, com Lula declarando que “isso nunca aconteceu na política brasileira”, como se a ditadura contra a qual o PT nasceu lutando nunca tivesse existido.

Os trabalhadores devem ser alertados de que, caso Lula e o PT sejam reconduzidos ao poder no domingo, os termos de sua posse e do futuro governo serão ditados pela extrema-direita e pelos militares. Eles usarão uma nova administração do PT como cobertura não apenas para impor uma dura austeridade e amplos ataques aos direitos democráticos, mas também para se rearmarem para uma futura tomada de poder.

Embora seu sucesso esteja longe de ser inevitável, ele só pode ser combatido através da construção de uma nova direção na classe trabalhadora brasileira, baseada na luta para acabar com a fonte da pobreza, da ditadura e da guerra – o capitalismo internacional. Isto significa construir uma seção brasileira do Comitê Internacional da Quarta Internacional.

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