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O significado do chamado dos Socialistas Democráticos dos EUA por guerra contra Rússia até “vitória ucraniana”

Publicado originalmente em 30 de outubro de 2022

A decisão por todos os membros dos Socialistas Democráticos dos EUA (DSA) e deputados apoiados pelos DSA no congresso de retirar uma carta enviada a Joe Biden que chamava por conversações de paz com a Rússia aumenta a probabilidade do conflito direto entre os EUA e a Rússia e aumenta o risco da guerra nuclear.

O endosso dos DSA à guerra do imperialismo americano contra a Rússia na Ucrânia não é uma ruptura com a sua história. Pelo contrário, ele é a última (e mais perigosa) iteração da essência política pró-imperialista da organização.

Menos de 24 horas após 30 de seus membros publicarem a carta a Biden na última segunda-feira, o grupo na câmara de deputados emitiu uma declaração não apenas revogando a carta, mas pedindo que a guerra fosse levada adiante “até a vitória ucraniana”. Uma semana se passou desde que a carta assinada pelos membros dos DSA, Alexandria Ocasio-Cortez (D-NY), Rashida Tlaib (D-MI), Cori Bush (D-MO) e Jamaal Bowman (D-NY), foi retirada, e nenhum deles fez qualquer declaração sobre a covarde reversão ou sequer tuitou sobre o assunto.

Em 25 de outubro, o WSWS entrou em contato com a assessoria de imprensa de Ocasio-Cortez e perguntou: “A congressista Ocasio-Cortez se opõe à decisão da liderança da Bancada Progressiva de retirar a carta pedindo uma solução negociada para a guerra na Ucrânia? Caso se oponha, gostaríamos de dar a ela a chance de dizer isso oficialmente”. O escritório da congressista reconheceu ter recebido a pergunta mas não deu uma resposta.

Ilhan Omar, com a aprovação dos DSA, falou publicamente sobre a reversão de 24 horas, alegando que ela retirou sua assinatura da carta original por causa do “momento” e porque “a carta era uma resposta às informações que estávamos recebendo” no final de junho, evidentemente do Pentágono e da CIA, sobre o perigo de uma escalada. Essa explicação é desonesta, já que o perigo de guerra nuclear apenas aumentou, com Biden declarando no início de outubro que o mundo está à beira do “Armagedom”. Na realidade, os DSA retiraram suas assinaturas porque Nancy Pelosi disse a eles em nome de Wall Street e dos militares para que as retirassem.

Deputada democrata Ilhan Omar fala enquanto democratas Rashida Tlaib, Ayanna Presley, Alexandra Ocasio-Cortez ouvem durante conferência de imprensa no Capitólio em Washington em 15 de julho de 2019. [AP Photo/J. Scott Applewhite, File]

Significativamente, Omar respondeu às perguntas sobre sua reversão atacando os oponentes da guerra. Em uma série de tuites, ela declarou que aqueles que afirmam que os membros dos DSA são “defensores da guerra” por retirar suas assinaturas são meros defensores da “desinformação de internet” russa.

Omar retuitou um fio de um repórter do Huffington Post denunciando “a franja por tentar sugerir... que os progressivos que apoiam a Ucrânia – a grande maioria, de Bernie [Sanders] a Ilhan e AOC [Alexandria Ocasio-Cortez] – são defensores da guerra”. Ela também se comprometeu a votar a favor de gastos militares adicionais para a guerra, mesmo enquanto a administração Biden não faz quase nada para auxiliar dezenas de milhões de americanos que enfrentam a crescente inflação, a pobreza e a contínua disseminação da COVID-19 em suas escolas e locais de trabalho.

Bernie Sanders, outro candidato apoiado pelos DSA, foi questionado sobre a carta inicial que chamava por negociações. Ele afirmou, talvez sem a intenção de um insulto: “Eu não concordo com ela, e, aparentemente, eles não concordam”.

O chamado pela guerra até a “vitória ucraniana” é indistinguível da posição dos elementos mais extremos do aparato de inteligência-militar do qual os DSA fazem parte. De fato, o seu silêncio os coloca à direita de figuras como Ro Khanna, membro da Bancada Progressiva e representante do Vale do Silício, que defendeu a carta e pediu por negociações.

A única tentativa semioficial de controle de danos da reversão em 24 horas por um órgão de liderança dos DSA foi emitida pelo Comitê Internacional do DSA (DSA-IC) em sua conta no Twitter em 28 de outubro.

O DSA-IC escreveu: “É decepcionante que a carta tenha sido retirada sob pressão”. “Devemos continuar nos organizando e nos manifestando contra a retórica perigosa que alimenta mais a guerra e aproxima o mundo da catástrofe nuclear. A renúncia aos apelos à diplomacia somente encoraja os belicistas em detrimento da comunicação, crucialmente necessária”.

Comentadores apontando que as ações dos DSA faziam parte da “retórica perigosa que alimenta mais a guerra” foram prontamente bloqueados.

O tuite do DSA-IC ligado a um artigo de 27 de outubro na Jacobin, de Branko Marcetic, intitulado “Com membros progressivos revogando sua carta sobre a Ucrânia, a diplomacia é agora uma palavra de quatro letras”. O artigo afirma corretamente que a decisão de retirar a carta era “perigosa em qualquer momento, e ainda mais quando as tensões nucleares estão altas”, mas não menciona sequer que quatro dos congressistas que retiraram suas assinaturas eram membros dos DSA.

A reversão de 24 horas não é uma ruptura com o histórico da DSA. Ela é parte integral de seu papel de longa data como fração pró-imperialista do Partido Democrata imperialista.

Em março, os membros dos DSA no congresso votaram por unanimidade para fornecer US$ 40 bilhões em apoio militar ao governo ucraniano, incluindo milhares de mísseis Stinger, artilharia pesada e equipamento usado pelo Batalhão de Azov neonazista na guerra contra a Rússia. O voto foi uma bênção para os fabricantes de armas, que viram seus lucros dispararem como resultado do prolongamento da guerra. CFO da Lockheed Martin, Jay Malave, disse na ocasião que estava “satisfeito” com a aprovação do projeto de lei de gastos militares.

Os DSA também promoveram um grupo ucraniano pró-guerra chamado “Sotsialnyi Rukh” (Movimento Social), uma organização cuja liderança é composta por indivíduos que trabalham com o Fundo Nacional pela Democracia (National Endowment for Democracy, NED) e o Centro Solidariedade da central sindical AFL-CIO, ambas organizações ligadas à CIA com longas histórias de supressão da resistência da classe trabalhadora ao imperialismo americano fora do país. Membros dos DSA como Ashley Smith têm denunciado repetidamente os opositores de esquerda da guerra apoiada pelos EUA-NATO, chamando-os de “falsos anti-imperialistas” que desejam “trair a Ucrânia”.

Porém, o papel pró-guerra dos DSA não surgiu recentemente. Os DSA surgiram de uma tendência política liderada por Max Shachtman, um membro líder do movimento de juventude do Partido Comunista nos anos 1920, que, ao lado de James P. Cannon, ajudou a fundar a seção americana da Oposição de Esquerda depois que os partidários de Trotsky foram expulsos do Partido Comunista em 1928.

No entanto, Shachtman rompeu com o movimento trotskista quando a Segunda Guerra Mundial começou em 1939-40, e ele se deslocou em direção à adoção de posições pró-imperialistas, rompendo com seu passado socialista. Em particular, Shachtman argumentou que a esquerda deveria apoiar o imperialismo americano “democrático” na Guerra Fria contra a Rússia “autoritária”, que ele afirmava não ser mais um Estado operário.

Shachtman apresentou as guerras brutais do imperialismo americano de meados do século XX como justificadas pela necessidade de um EUA “democrático” para combater a “agressão comunista'. Os seus artigos apoiando a Guerra da Coréia foram lançados em forma de panfleto por aviões militares americanos sobre a península coreana como propaganda. Ele apoiou a invasão da Baía dos Porcos em Cuba pela administração Kennedy, e se tornou um vocal defensor da Guerra do Vietnã.

O aprendiz de Shachtman, Michael Harrington, que mais tarde fundaria a organização antecessora dos DSA, o Comitê Organizador do Socialismo Democrático (DSOC), também apresentou o imperialismo americano como um contrapeso “democrático” à Rússia “autoritária”. Ele operava com base no princípio de que a esquerda americana deveria desempenhar “um papel pró-americano do tipo Departamento de Estado na Guerra Fria”, segundo o historiador Todd Gitlin.

Na época da Guerra do Vietnã, Harrington pertencia, assim como Shachtman, ao Partido Socialista (SP). O SP, sob a influência política de Shachtman, apoiou a guerra dos EUA e exigiu uma derrota da luta do povo do Vietnã pela independência do imperialismo francês e americano.

Durante anos, enquanto o imperialismo americano lançava napalm e bombas sobre o Vietnã, Harrington apoiou a linha majoritária do SP. Ele denunciou a Frente Nacional para a Libertação do Vietnã, chamando-a “comunista” e “autoritária”, na mesma linha do governo Lyndon Johnson, que Harrington havia servido como membro de uma força-tarefa doméstica. Em 1965, quando os EUA estavam escalando a guerra, Harrington disse: “Eu sou anticomunista por princípio porque sou a favor da liberdade”.

Entretanto, conforme o sentimento antiguerra cresceu ao longo dos anos 1960, Harrington pretendia tornar a posição pró-guerra do SP mais palatável. Maurice Isserman, apoiador de Harrington, escreve em sua biografia, The Other American (O outro americano), que, no segundo trimestre de 1967:

Michael [Harrington] ajudou Shachtman e outros a organizar um novo grupo chamado Negotiations Now [Negociações Já], que se promoveu como uma alternativa responsável e moderada aos grupos irresponsáveis e radicais que pediam a retirada imediata das forças norte-americanas do Vietnã... Porém, a principal função do Negotiations Now era servir como porta-voz do SP no movimento antiguerra – algo que eles podiam apontar quando desafiados a mostrar que também trabalhavam pelo fim da guerra. O Negotiations Now também serviu como um conveniente palanque do qual os schachtmanistas poderiam criticar o resto do movimento antiguerra como sendo, em contraste, extremistas, mal orientados e objetivamente pró-comunistas.

Em 1970, Harrington pediu a retirada das tropas americanas do Vietnã e rompeu com seu antigo mentor sem repudiar a política pró-imperialista de Shachtman.

O que permaneceu constante durante toda a pré-história dos DSA e seu papel atual é o esforço para suprimir o sentimento antiguerra e facilitar a busca dos interesses do imperialismo norte-americano.

Harrington cunhou a frase oportunista “a esquerda do possível” e alegou que isso significava que a esquerda deveria lutar para realizar o que era possível no momento. O que isso realmente significava é que a “esquerda” não poderia fazer nada que “possivelmente” perturbasse o Partido Democrata. O chamado de Harrington por negociações há 55 anos correspondeu à posição de uma seção significativa do Partido Democrata, que encontrou reflexo nas campanhas presidenciais de Robert Kennedy e Eugene McCarthy de 1968, ambas apoiadas por Harrington.

Os DSA de hoje retiraram a carta que pedia negociações porque o Partido Democrata não pode tolerar a expressão de qualquer sentimento antiguerra dentro de seu aparato. Isso não é produto da força de sua posição política, mas de sua fraqueza e de sua total alienação da população, que por uma ampla maioria quer que os EUA negociem para evitar a guerra nuclear.

Essa experiência mostra que os DSA não se deslocou para a esquerda desde os dias de Harrington e a fundação da DSOC em 1972 e dos DSA em 1982. Ao contrário, durante décadas, os DSA tem funcionado como uma fração do Partido Democrata, trabalhando dentro dessa organização imperialista conforme ela se movimenta cada vez mais para a direita. As suas tentativas de pressionar o Partido Democrata a se mover para a esquerda só conseguiram dar cobertura política para sua mudança à direita.

Os DSA não é um veículo para se opor à guerra imperialista. Ele é um chamariz para o sistema de dois partidos. O seu papel é encurralar a oposição social e anestesiá-la dentro do Partido Democrata.

A completa e imediata capitulação dos membros dos DSA também reflete o fato de que a camada social de classe média alta para a qual os DSA fala é uma base para a guerra imperialista. Conforme o Partido Socialista pela Igualdade (SEP) (EUA) escreveu em uma resolução em seu sétimo congresso:

A guerra expôs completamente as organizações pseudoesquerdistas que representam setores privilegiados da classe média alta, incluindo os Socialistas Democráticos dos EUA nos Estados Unidos. Sob o disfarce da oposição ao “imperialismo” russo, os DSA, com várias organizações pablistas e “capitalistas de Estado” internacionalmente, alinharam-se com os EUA e a OTAN e chamaram pelo armamento imperialista da Ucrânia. O seu apoio à guerra contra a Rússia é o culminar de uma política que eles têm seguido em relação à guerra imperialista contra a Líbia, a Síria, e outros países.

A resolução do SEP (EUA) afirma: “A base social para a oposição à guerra é a classe trabalhadora internacional”. A luta contra a guerra “é possível apenas através da mobilização política da classe trabalhadora em oposição a toda a classe dominante e seus dois partidos, os democratas e os republicanos. O desenvolvimento de um movimento antiguerra nos EUA deve estar ligado à luta para unir os trabalhadores em todos os países, inclusive na Rússia e na Ucrânia, contra a guerra e o imperialismo”. Essa é a perspectiva dos socialistas.

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