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Relatório dos militares sobre eleições no Brasil municia planos de golpe

Na quarta-feira, foi publicado o relatório dos militares sobre sua “apuração paralela” das recentes eleições no Brasil, em que o candidato do Partido dos Trabalhadores (PT) e ex-presidente, Luís Inácio Lula da Silva, derrotou o presidente fascistoide Jair Bolsonaro.

Desfile militar na comemoração da Independência do Brasil, 7 de setembro de 2022. [Foto: Alan Santos/PR] [Photo: Alan Santos/PR]

O Ministério da Defesa anteriormente afirmara que seus resultados seriam apresentados apenas no início de janeiro, junto à posse presidencial. Longe de representar uma conclusão à conspiração dos militares contra a democracia no Brasil, o adiantamento do relatório abre novas avenidas para os planos golpistas em andamento.

O relatório, assinado por um representante de cada uma das três Forças Armadas, foi enviado ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) acompanhado de um ofício do ministro da Defesa, general Paulo Sérgio Oliveira. Sua principal conclusão é que os “técnicos militares” identificaram procedimentos eleitorais que implicam “relevante risco à segurança do processo” e “não é possível afirmar que o sistema eletrônico de votação está isento de influência de um eventual código malicioso que possa alterar seu funcionamento”.

O relatório contém reiteradas afirmações de que “as ferramentas e os procedimentos disponibilizados pela equipe técnica do TSE para o trabalho das entidades fiscalizadoras não foram suficientes para uma análise técnica mais completa” e “dificultaram a busca por possíveis vulnerabilidades do SEV [Sistema Eletrônico de Votação]”.

Diante dessas alegações, o general Oliveira exige que a Corte Superior organize com urgência uma comissão externa para “realizar uma investigação técnica do ocorrido na compilação do código-fonte e de seus possíveis efeitos” e “promover a análise minuciosa dos códigos binários que efetivamente foram executados nas urnas eletrônicas” [nosso grifo]. Segundo ele, isto é condição para a manutenção da “harmonia política e social do Brasil”.

No ofício do ministro da Defesa e em dois pontos do relatório é destacado que “o trabalho [das Forças Armadas] restringiu-se à fiscalização do sistema eletrônico de votação, não compreendendo outras atividades, como, por exemplo, a manifestação acerca de eventuais indícios de crimes eleitorais”.

Nas mãos de Bolsonaro e seus apoiadores fascistoides, esses documentos são uma fonte de munição infinita para sua contestação golpista dos resultados eleitorais.

Desde a vitória do candidato do PT, há dez dias, Bolsonaro absteve-se ao máximo de aparições públicas. Em suas breves declarações, recusou-se a reconhecer a vitória de seu concorrente e expressou seu apoio aos manifestantes fascistas que desafiam a “injustiça de como se deu o processo eleitoral” e clamam por um golpe militar.

Na terça-feira, Valdemar da Costa Neto, presidente do Partido Liberal (PL), o partido de Bolsonaro, que tem a maior bancada do Congresso, declarou pela primeira vez que o PL ainda não aceitou o resultado das urnas. Ele afirmou: “Nós vamos ter que esperar o relatório do Exército amanhã. Nós temos diversos questionamentos que fizemos para o TSE e vamos esperar essas respostas. Amanhã eles [os militares] vão trazer alguma coisa, eu não tenho dúvida disso, senão eles já tinham liquidado o assunto”.

Nem Costa Neto nem Bolsonaro se pronunciaram desde a publicação do relatório.

A resposta majoritária da imprensa brasileira e internacional ao relatório dos militares, com suas óbvias implicações explosivas no cenário político atual, foi uma tentativa de apresentar a realidade como seu avesso.

Ao invés de identificar a publicação dos militares como um dos mais graves ataques à democracia na história do regime civil atual brasileiro, algumas das principais manchetes declararam: “Relatório de militares não aponta fraude em urnas e chega à mesma contagem de votos do TSE” (Estado de São Paulo); “Relatório da Defesa não aponta fraude em eleição, e TSE agradece” (Folha de São Paulo); “Militares brasileiros não encontram evidências de fraude eleitoral, frustrando esperanças dos partidários de Bolsonaro” (Guardian).

O mesmo tom forçado de positividade marcou a resposta oficial do TSE. Uma mensagem do seu presidente, o ministro Alexandre de Moraes, disse: “O Tribunal Superior Eleitoral recebeu com satisfação o relatório final do Ministério da Defesa, que, assim como todas as demais entidades fiscalizadoras, não apontou a existência de nenhuma fraude ou inconsistência nas urnas eletrônicas e no processo eleitoral de 2022”.

Uma dura réplica foi dada pelo ministro da Defesa fascistoide na manhã seguinte, com um novo comunicado oficial intitulado: “Relatório das Forças Armadas não excluiu a possibilidade de fraude ou inconsistência nas urnas eletrônicas”. Com o objetivo declarado de “evitar distorções do conteúdo do relatório enviado ontem ao TSE”, a declaração do general Oliveira limitou-se a reiterar os ataques que estavam suficientemente explícitos no dia anterior.

Talvez ainda mais inacreditável tenha sido a resposta daquele que é o alvo mais direto da conspiração fomentada pelos militares: o presidente-eleito Lula. Em um discurso na quinta-feira na sede do governo de transição, o líder do PT, além de se calar sobre os ataques contidos no relatório dos militares, ofereceu uma anistia geral às Forças Armadas pelos crimes contra a democracia que cometeram ao lado de Bolsonaro.

Condenando Bolsonaro por “envolver as Forças Armadas” em “uma comissão para investigar urnas eletrônicas, coisa que é da sociedade civil,” Lula declarou sobre o relatório:

“O resultado foi humilhante, humilhante. Eu não sei se o presidente está doente, mas ele tem a obrigação de vir à televisão e pedir desculpas para a sociedade brasileira e pedir desculpas às Forças Armadas, por ter usado as Forças Armadas, que é uma instituição séria, que é uma garantia para o povo brasileiro contra possíveis inimigos externos, fosse humilhada, apresentando um relatório que não diz nada, nada, absolutamente nada daquilo que ele durante tanto tempo acusou.”

A insinuação de Lula de que Bolsonaro arrastou os militares à força para intervir na política brasileira é absurda. Esse processo, que apenas aprofundou no governo atual, vem crescendo desde os anos de administração do PT, inclusive através das operações militares promovidas pelo próprio Lula no exterior, com o Brasil liderando a operação da ONU de “pacificação” do Haiti, e internamente, com a ocupação das favelas do Rio de Janeiro.

Sob o governo Bolsonaro, mas independentemente dele, os militares se legitimaram como árbitros máximos da política no Brasil. Os generais ocuparam ministérios, ameaçaram publicamente poderes civis que os questionaram, se outorgaram o direito de julgar o processo eleitoral e de ditar planos estratégicos que se sobrepõem aos governos eleitos.

O retorno à esfera de decisão política pelos militares – que governaram o Brasil em uma ditadura implacável por 21 anos após o Golpe de 1964 promovido pelos EUA – reflete a crescente crise da burguesia brasileira, incapaz de gerir os níveis intoleráveis de desigualdade social internamente e sustentar seus interesses econômicos numa arena global cada vez mais explosiva.

O fato de Lula e o PT estarem encobrindo deliberadamente os ataques golpistas impulsionados pelos militares é expressão de sua submissão aos interesses do capitalismo brasileiro apodrecido. O silêncio de Lula sobre os ataques autoritários dos militares, seu acolhimento dos partidos aliados de Bolsonaro e suas promessas de “normalidade institucional” estão sendo amplamente elogiados pela classe dominante.

Se essa política renderá a Lula uma transição de governo efetiva até o início de janeiro, permanece em aberto. Mas a história do século XX prova que tais manobras são absolutamente incapazes de garantir os direitos sociais da classe trabalhadora e de prevenir o crescimento do fascismo, que utilizará esse período para melhor preparar suas forças para um golpe.

Essas ameaças só podem ser combatidas por um movimento político independente da classe trabalhadora, que rompa definitivamente com o PT e seus satélites da pseudoesquerda, e trave uma luta decisiva pela abolição do capitalismo.

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