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Perspectivas

Os protestos na China e o abandono da COVID Zero

Publicado originalmente em 28 de novembro de 2022

Durante o fim de semana, protestos aconteceram em várias cidades chinesas, com a maioria centrada entre os estudantes nos campi universitários. Com base em imagens publicadas nas redes sociais, as manifestações não parecem ser grandes. Entretanto, dado o caráter autoritário do regime de Xi Jinping, os protestos são eventos políticos significativos que certamente prejudicam a imagem de estabilidade social e contentamento universal que Xi procurou apresentar no congresso recentemente concluído do Partido Comunista Chinês (PCCh).

A escala real e os objetivos dos protestos são obscurecidos pela cobertura da mídia ocidental, que está os usando como propaganda contra a política chinesa de COVID Zero. Nos últimos dois anos, ela tem exigido que a China abandone a COVID Zero independentemente de quantos milhões seriam mortos ou incapacitados pelo vírus. A acreditar na propaganda, toda a China agora implora para ser infectada pela COVID-19.

Policiais reprimindo manifestantes durante um protesto em Pequim, em 27 de novembro de 2022. [AP Photo/Andy Wong] [AP Photo/Andy Wong]

Não há dúvida de que existe uma grave crise social e política na China, que está se intensificando depois que o PCCh publicou seus “Vinte Artigos” em 11 de novembro, iniciando um relaxamento da política de COVID Zero. Na segunda-feira, a Comissão Nacional de Saúde (CNS) da China registrou 40.347 novos casos de COVID-19, o quinto dia consecutivo de infecções recordes no que se tornou o surto mais generalizado no país até hoje.

Em resposta a esta profunda crise de saúde pública, as autoridades locais implementaram lockdowns parciais e testagem em massa em alguns dos distritos mais afetados de Pequim, Guangzhou, Chongqing e outras cidades, ao mesmo tempo que interromperam os lockdowns em toda a cidade que se mostraram necessários para suprimir totalmente a transmissão viral.

Os protestos do fim de semana foram motivados por um trágico incêndio que ocorreu na última quinta-feira em um prédio em Urumqi, na província de Xinjiang, que matou 10 pessoas e feriu nove.

A mídia ocidental e vários comentaristas da rede social chinesa afirmaram que as barricadas montadas devido aos lockdowns impediram os bombeiros de chegar ao prédio a tempo. Mas estas afirmações são contrariadas pelo fato de que os bloqueios – postes verticais que servem como barreiras de tráfego – foram erguidos anos antes da pandemia. Alegações de que os moradores não tinham permissão para evacuar o prédio também são contraditadas por vídeos mostrando moradores fugindo do prédio. Além disso, o distrito onde ocorreu o incêndio não estava sob um lockdown rigoroso na hora.

O trágico incêndio em Urumqi foi claramente o resultado de uma segurança inadequada contra incêndios dentro do edifício e de um planejamento urbano pobre que impediu a circulação dos bombeiros, problemas que existem em todas as grandes cidades internacionalmente.

Os manifestantes do fim de semana foram em grande parte motivados pela raiva causada contra a negligência das autoridades municipais e pela simpatia por aqueles que morreram no incêndio de Urumqi. É bem possível que uma parte dos manifestantes – especialmente aqueles com acesso à mídia ocidental – acredite que a política de COVID Zero desempenhou um papel no desastre.

A restauração do capitalismo criou uma camada social de classe média abastada, uma base importante da burocracia do PCCh. Essa camada social tem mais chances de usar redes privadas virtuais ou outros métodos para contornar o Grande Firewall da China e acessar a mídia ocidental e as redes sociais. Assim, durante o ano passado, eles foram bombardeados pela propaganda implacável que afirmava que a “Ômicron é leve”, que “se você for vacinado, a COVID agora é como uma gripe”, e acima de tudo a mentira do presidente americano Joe Biden de que “a pandemia acabou”.

No entanto, seria incorreto aceitar o retrato da mídia sobre os protestos como sendo uniformemente a favor do abandono das medidas anti-COVID e politicamente reacionários. Significativamente, tem havido múltiplos relatos de estudantes cantando a “Internacional”, o hino socialista da solidariedade internacional da classe trabalhadora.

Mas também há raiva entre os setores menos abastados da classe média, bem como da classe trabalhadora, causada pelos impactos econômicos da implementação pelo PCCh da COVID Zero. O governo não forneceu praticamente nenhuma assistência financeira aos trabalhadores durante os lockdowns, e recentemente começou a cobrar da população o custo dos testes.

Na terça-feira passada, milhares de trabalhadores da fábrica da Foxconn em Zhengzhou protestaram contra as condições terríveis de trabalho e a falta de pagamento. As instalações, onde até 350.000 trabalhadores produzem cerca da metade dos iPhones da Apple do mundo, estão sob um sistema de ciclo fechado desde outubro devido a um surto de COVID-19. A fim de manter a produção, os trabalhadores foram confinados na fábrica como se estivessem presos em vez de serem enviados para casa.

Forças de segurança reprimindo trabalhadores fora da fábrica de iPhone em Zhengzhou, na China. [Foto: @AnonymeCitoyen] [Photo: @AnonymeCitoyen]

Ao contrário do relato na mídia ocidental, o protesto fora da Foxconn não foi “anti-lockdown” ou contra a COVID Zero. Ao invés disso, além de exigir o pagamento integral, os trabalhadores, todos usando máscaras para evitar a transmissão viral, também lutavam por testes de COVID-19 mais regulares e protocolos de isolamento e quarentena mais seguros.

Por trás da frustração dos protestos na China está o fato de que qualquer política de COVID Zero aplicada exclusivamente em um único país enfrenta problemas insuperáveis. Não há solução nacional para a pandemia, que é fundamentalmente um problema mundial que requer uma resposta coordenada globalmente. Na ausência de tal movimento mundial unificado, a crise de saúde pública e social na China só se intensificará nas próximas semanas e meses.

A população idosa da China, que continua sendo a faixa etária menos vacinada do país, enfrenta agora o maior perigo, em grande parte devido a conceitos errôneos sobre as vacinas e a medicina tradicional chinesa. De acordo com os últimos dados do CNS, 21 milhões de chineses com 60 anos ou mais não estão totalmente vacinados, e 21,5 milhões de pessoas com mais de 80 anos não receberam a dose de reforço necessária.

Um estudo publicado em maio estimou que o abandono total da COVID Zero na China mataria mais de 1,6 milhão de pessoas no período de apenas seis meses. Desde então, as taxas de vacinação estagnaram e a imunidade diminuiu para a maioria da população chinesa, elevando ainda mais os perigos.

Além dos imensos riscos enfrentados pelos idosos, toda a população chinesa enfrenta a ameaça da COVID longa, que pode afetar quase todos os órgãos do corpo. Em todo o mundo, dezenas de milhões de pessoas foram incapacitadas pela COVID-19, incluindo pessoas totalmente vacinadas. Estudos têm mostrado que o risco de desenvolver a COVID longa é apenas ligeiramente reduzido pela vacinação, e que as reinfecções com novas variantes aumentam o risco de morte e da COVID longa, independentemente da situação de vacinação.

É imperativo que a classe trabalhadora chinesa e internacional desenvolva uma luta conjunta para deter o abandono da COVID Zero na China e para aplicar estes princípios de saúde pública internacionalmente.

A pandemia somente será detida de uma vez por todas através da implementação globalmente coordenada de testagem em massa, rastreamento de contatos, renovação da infraestrutura, uso de máscaras de alta qualidade, lockdowns pagos, desenvolvimento de vacinas mais avançadas e todas as outras medidas para impedir a transmissão viral.

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