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Lula escolhe Luiz Marinho, ex-burocrata sindical, como ministro do trabalho

O presidente eleito do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva (Partido dos Trabalhadores - PT), anunciou ao longo das últimas duas semanas vários dos ministros de seu governo. Ao contrário do que Lula alegou durante a campanha eleitoral, que seu governo irá “reconstruir” o Brasil depois de quatro anos de ataques do presidente fascistoide Jair Bolsonaro, as nomeações recentes apontam no sentido contrário.

O presidente eleito do Brasil, Lula, com o novo ministro do trabalho, Luiz Marinho. [Photo by Paulo Pinto/Agência PT / CC BY 2.0]

Como parte do apoio oficial inédito das maiores centrais sindicais brasileiras à candidatura de Lula na eleição de 2022 – que uniu a CUT, controlada pelo PT, à Força Sindical, sua antiga rival criada em 1991 para defender políticas neoliberais de ataques aos trabalhadores para “modernizar” as relações trabalhistas –, elas indicaram em 16 de dezembro Luiz Marinho para o ministério do trabalho. Lula o confirmou no cargo na última quinta-feira, 22 de dezembro.

Deputado federal eleito pelo PT em 2022, Marinho foi metalúrgico em São Bernardo do Campo, cidade da região industrial do ABC de São Paulo, na década de 1970. Em 1980, ajudou a fundar o PT e fez carreira sindical no Sindicato dos Metalúrgicos do ABC (SMABC) ao longo da década de 1980. Depois de ser eleito vice-presidente do SMABC em 1993, foi presidente do sindicato entre 1994 e 2003, quando assumiu a presidência da CUT. Entre 2005, ele deixou a presidência da CUT para se tornar ministro do trabalho do governo Lula (2003-2010), cargo que voltará a ocupar a partir do ano que vem.

Na nota conjunta lançada pelas centrais sindicais indicando o nome de Marinho ao ministério do trabalho, elas alegaram que ele “tem plena sintonia com o movimento sindical brasileiro e amplo diálogo com o setor empresarial, grande habilidade para tratar de conflitos e alta capacidade para conduzir negociações complexas” (ênfase adicionada). Elas também defenderam “entidades sindicais fortes e representativas” para “valorizar a negociação coletiva”.

Há muito em jogo para as centrais sindicais, assim como para o governo Lula, por trás da indicação de Luiz Marinho como ministro do trabalho. Depois de o governo Bolsonaro ter extinguido o ministério do trabalho, cujas funções passaram a ser controladas pelo ministério da economia, uma das principais reivindicações corporativistas das centrais sindicais a Lula foi “a recriação e o fortalecimento” do ministério do trabalho, que elas alegam que pode se contrapor à política econômica de austeridade do governo. Elas também defenderam uma política de valorização do salário-mínimo, tal como o próprio Marinho implementou em 2007 quando foi ministro do trabalho.

Um dos pontos mais debatidos pelas centrais ao longo deste ano foi a dura “reforma” trabalhista de 2017 do governo de Michel Temer, que sucedeu a presidente pelo PT Dilma Rousseff depois de ter sido destituída por um processo de impeachment fraudulento em 2016. Além de “flexibilizar” as relações trabalhistas para supostamente aumentar o emprego, o que nunca ocorreu, ela acabou com a obrigatoriedade do imposto sindical, que fez o caixa de sindicatos, confederações e centrais sindicais diminuir de 2,2 bilhões de reais em 2017 para 21,5 milhões de reais em 2021. Como solução para a queda brutal da arrecadação, as centrais sindicais estão propondo uma “taxa negocial” paga por todos os trabalhadores depois de acordos coletivos serem fechados.

Ao longo deste ano, as centrais sindicais e o próprio Lula realizaram um contorcionismo político, defendendo inicialmente a necessidade de revogar a reforma trabalhista para, nos últimos tempos, defender apenas a revisão de algumas medidas, como o trabalho intermitente e as negociações entre patrões e empregados sem participação dos sindicatos. Elas também defendem a regulação trabalhista dos trabalhadores de aplicativos. Miguel Torres, presidente da Força Sindical, justificou que a reforma não deve ser revogada nem que o imposto sindical deva voltar dizendo que “dificulta[m] a criação de um contexto favorável à construção de uma negociação tripartite entre trabalhadores, empresários e governo”.

A possibilidade de que qualquer revisão da reforma trabalhista de 2017 possa trazer algum alento aos trabalhadores brasileiros em meio a um cenário econômico e social desesperador é nula. Isso fica claro não só pelas centrais sindicais quererem negociar os direitos dos trabalhadores com os empresários, mas por ela ter sido “inspirada” pela “reforma” do governo espanhol da coalizão do Partido Socialista (PSOE)-Podemos, que tem mantido estreitas relações com Lula e os dirigentes sindicais brasileiros desde o fim do ano passado.

A vice-presidente e ministra do trabalho da Espanha, Yolanda Diaz, numa reunião em maio deste ano com dirigentes das centrais sindicais do Brasil e autoridades do PT. [Photo: ctb.org.br]

A partir também de uma negociação tripartite, o governo espanhol conseguiu pequenas concessões dos empresários, como limites aos contratos temporários e o fim do trabalho intermitente. Esse processo foi ainda foi supervisionado pela Comissão Europeia em troca de um empréstimo financeiro que tem colocado ainda mais o peso da crescente crise sobre as costas da classe trabalhadora espanhola. Significativamente, a “reforma” espanhola procurou também fortalecer a posição das centrais sindicais espanholas nas negociações coletivas, ao mesmo tempo que inundou elas com dinheiro.

O pressuposto da defesa que Lula e as centrais sindicais brasileiras estão fazendo de que uma nova legislação trabalhista deve ser implementada a partir de uma negociação tripartite é que pode haver algum interesse comum entre capital e trabalho que pode ser mediado pelo Estado. Na verdade, qualquer concessão mínima que as centrais sindicais e o governo Lula possam vir a conseguir dos empresários terá como contrapartida a supressão da luta dos trabalhadores.

De fato, isso já foi feito pelos governos anteriores do PT, que por 13 anos foi o partido preferido de governo das elites capitalistas brasileira e internacional. Luiz Marinho, em entrevista à TVT no dia que ele foi anunciado ministro, declarou que “Tenho muita esperança de que a gente consiga repetir o que no primeiro [2003-2006] e no segundo [2007-2010] governo Lula, e harmonizar as condições de trabalho, portanto dialogando com as empresas. Ninguém está aqui para ser ‘anti’ isso ou ‘anti’ aquilo... certamente o presidente Lula vai recriar o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social.”

Como parte de um “novo pacto social” depois dos ataques brutais à classe trabalhadora do governo neoliberal do presidente Fernando Henrique Cardoso (1996-2002), o governo Lula instituiu a partir de 2003 uma série de órgãos tripartites. Além do Conselho de Desenvolvimento Econômico, foi criado o Fórum Nacional do Trabalho (FNT), que funcionou de 2003 a 2005 com o objetivo de preparar, “democraticamente” e com o “entendimento das diferentes classes sociais promovido pelo Estado”, uma reforma sindical e, a partir dela, uma reforma trabalhista. Marinho foi coordenador da Comissão de Sistematização do FNT.

Apenas algumas medidas da reforma sindical acabaram sendo implementadas, como o reconhecimento das centrais sindicais em 2008, possibilitando que elas passassem a receber 10% do imposto sindical. Isso aproximou ainda mais a CUT e as outras centrais sindicais do governo Lula, que desde o seu início já tinha feito destacados líderes sindicais ocuparem importantes ministérios e centenas de cargos de confiança. Em troca, a CUT ajudou a suprimir a luta dos trabalhadores brasileiros contra as políticas de austeridades do governo Lula.

A ilusão nacionalista que negociações tripartites podem assegurar os direitos e o padrão de vida dos trabalhadores foi ainda mais exposta durante os governos de Dilma Rousseff (2011-2016), que coincidiram com o fim do boom das commodities e a intensificação da crise econômica no país na esteira do crash financeiro de 2008.

Na entrevista à TVT, Marinho se referiu à política de valorização do salário-mínimo, implantada por ele em 2007 quando foi ministro do trabalho, como o que “evitava que houvesse greves... Se você tem um ambiente saudável de negociação e que a mesa de negociação tenha condições de responder à ansiedade, à demanda organizada dos trabalhadores, isso é melhor para ... os trabalhadores, mas também para os empregadores.” O que essa perspectiva falida não consegue explicar é a explosão de greves que impactou o Brasil a partir de 2012.

Naquele ano, os servidores públicos federais, que tinham entrado em luta dez anos antes contra a reforma da previdência do governo Lula, realizaram uma greve de 4 meses contra o governo Dilma. O ano de 2013 assistiu a 1.106 greves, um número 2,4 vezes maior do que no ano anterior, e às manifestações de massas de “Junho de 2013” contra todo o establishment político, incluindo o governo do PT. Em 2014 e 2015, foram quase 2 mil greves em cada ano, muitas delas greves selvagens e alheias à CUT contra marcos da assim chamada política desenvolvimentista dos governos do PT, como em hidrelétricas e nos estádios de futebol para a Copa de 2014.

O segundo governo Dilma, iniciado em 2015, respondeu a essa crise intensificando os ataques aos trabalhadores, nomeado o “Chicago Boy” Joaquim Levy como ministro da economia. Isso desmoronou qualquer apoio popular que o PT ainda tinha, e fez com ele fosse incapaz de realizar qualquer apelo à classe trabalhadora contra o impeachment de Dilma em 2016. A sua queda significou o beco sem saída da política de um dos maiores representantes dos governos nacionalistas burgueses associados à “Maré Rosa” na América Latina.

O PT e a CUT foram criados após greves massivas centradas na indústria automotiva do ABC no final dos anos 1970 que abalaram a ditadura militar brasileira (1964-1985). Eles inicialmente avançaram uma fraseologia socialista que defendia, ainda que de maneira vaga, uma luta independente dos trabalhadores na perspectiva de construção de uma “sociedade socialista e democrática”. Vários grupos pablistas e morenistas, hoje no PSOL e no PSTU, promoveram e saudaram o PT como uma nova via para o socialismo.

À medida que o PT foi ampliando sua presença parlamentar e governou algumas prefeituras nos anos 1980, logo foi abandonando qualquer resquício desse programa. Nos anos 1990, quando os impactos da globalização capitalista cresceram com o governo Fernando Collor de Melo (1990-1992) e acentuou-se a desindustrialização no Brasil, o PT e a CUT passaram a defender abertamente uma aliança entre capital e trabalho em órgãos tripartites para supostamente defender os empregos. Marinho foi um dos maiores exemplos dessa perspectiva na CUT como presidente do SMABC.

Em todo o mundo, como nos EUA com o presidente Joe Biden e na Espanha com o governo do PSOE-Podemos, a elite dominante está promovendo os sindicatos pró-corporativos para melhor suprimir a luta dos trabalhadores em meio a um cenário de crescente crise econômica e social impulsionada pela guerra na Ucrânia. Assim como já fez quando governou o Brasil, é exatamente isso que Lula tentará replicar a partir do ano que vem.

O Grupo Socialista pela Igualdade, que está lutando para construir a seção brasileira do Comitê Internacional da Quarta Internacional, faz um chamado para que os trabalhadores brasileiros entrando em luta se juntem à Aliança Operária Internacional de Comitês de Base, o único instrumento cuja forma internacionalista e o conteúdo socialista pode garantir os seus direitos.

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