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Protestos massivos recomeçam em todo o Peru contra regime golpista e desigualdade social

Publicado originalmente em 7 de janeiro de 2023

Desde quarta-feira, protestos massivos e bloqueios de estradas aconteceram diariamente em todo o Peru. Além das demandas iniciais pela saída da administração de Dina Boluarte, pelo fechamento do congresso e por eleições gerais, os manifestantes estão cada vez mais expressando demandas sociais por conta do elevado custo de vida e da enorme desigualdade social.

Manifestantes bloqueiam Rodovia Panamericana para protestar contra o governo da presidente Dina Boluarte e o congresso em Ica, Peru, 6 de janeiro de 2023. [AP Photo/Martin Mejia]

Os últimos protestos estão acontecendo após manifestações em todo o país, desencadeadas pelo impeachment e prisão do presidente Pedro Castillo em 7 de dezembro, e que pararam durante os feriados de fim de ano. No mesmo dia 7, sua vice-presidente, Boluarte, foi instaurada como parte de um golpe parlamentar orquestrado pelos partidos de extrema direita no controle do congresso, a embaixada dos EUA, e a liderança militar peruana.

As mobilizações aumentaram dramaticamente após a suspensão dos direitos democráticos e o destacamento de tropas sob o estado de emergência nacional a partir de 14 de dezembro. A repressão militar e da polícia resultou na morte de pelo menos 28 manifestantes e centenas de feridos, muitos deles com munição real. Caixões falsos se tornaram um dos adereços mais comuns carregados pelos manifestantes.

No contexto de uma “greve nacional” desde quarta-feira, milhares de pessoas realizaram uma passeata na capital de Lima, em Arequipa, Ayacucho, Huancayo, Cusco, e Puno, enquanto bloqueios de estradas foram feitos em todo o país, principalmente no sul. O sul da Rodovia Pan-Americana continua bloqueada. A polícia e os militares assediaram os participantes da passeata, bloquearam a entrada dos locais frequentados pelos manifestantes e utilizaram gás lacrimogêneo, balas de borracha, cassetetes, socos e chutes para os dispersar.

Na sexta-feira, foram ainda registrados 46 bloqueios de estradas, principalmente nos distritos do sul de Cusco e Puno. À medida que as atividades comerciais foram cada vez mais interrompidas devido aos bloqueios de estradas e à participação de muitos trabalhadores e pequenos comerciantes nos protestos, vários sindicatos do setor dos serviços foram obrigados a aderir à greve.

Embora os 16 meses de Castillo no poder tenham sido marcados por concessões à extrema direita e ao capital estrangeiro, incluindo a supressão dos protestos por conta da inflação e das práticas das mineradoras, o golpe é amplamente reconhecido como uma ação preventiva do imperialismo americano e da oligarquia peruana. O seu objetivo é suprimir os anos de protestos sociais e instabilidade política, a fim de assegurar as operações das empresas de mineração transnacionais e como meio de impor o peso da profunda crise econômica sobre as costas dos trabalhadores e dos pobres rurais.

Em entrevista ao La República, Maritza Paredes, professora chefe de sociologia na Pontifícia Universidade Católica do Peru, explicou que os manifestantes não expressam apoio a Castillo e que pesquisas recentes mostraram que a maioria dos peruanos acredita que “se Castillo sair, todos devem sair”.

Ela apontou: “Os manifestantes estão respondendo de forma bastante visceral uma vez que, quando colocam pedras, bloqueiam as rodovias e sequestram membros da polícia, não sabem o que fazer em seguida. Não existe coordenação ou organizações sociais importantes”.

Ao mesmo tempo, existem indícios de um entendimento crescente de que as lutas estão sendo conduzidas impulsionadas pela oposição à desigualdade social e ao capitalismo.

Um jovem manifestante em um bloqueio de estrada em Ica disse ao La Lupa: “Como o povo pobre está se levantando e se esforçando eles empregaram os militares, para nos oprimir, para nos bater, para disparar contra nós. Esta é a passeata dos pobres – os trabalhadores agrícolas, da mineração, e rurais. Eles não se importam se matarem 100, 200, 300 ... Aqui somos todos trabalhadores agrícolas”.

Um pequeno agricultor em um bloqueio de estrada em Asillo, Puno, disse a um repórter local que perguntou se ele era um terrorista: “Sinto fome, necessidade, miséria que todos nós carregamos aqui no Peru e em outros países. Nós somos compelidos pelas nossas necessidades. Nós não somos nada. Pelo contrário, Dina Boluarte é uma terrorista. As pessoas do congresso são terroristas. Nós estamos lutando por conta das nossas necessidades e devemos lutar até às últimas consequências para alcançar o nosso objetivo, porque estão saqueando os recursos do nosso Peru”.

Um manifestante em Andahuaylas disse que o governo “não os representa”. Ele acrescentou: “Nós lutamos todos os dias. Vejam quanto custa uma batata. O que fazemos não é suficiente para nada. Se o Peru tem prata, porque é que somos pobres? É por isso que as pessoas estão lutando aqui”.

Não há nenhuma instituição ou organização no Peru que possua qualquer credibilidade política, o que dificulta os esforços da elite dominante para conter e canalizar a revolta incipiente para canais seguros. Entretanto, o caráter espontâneo e sem líderes dos protestos também os torna vulneráveis a uma nova repressão que está sendo preparada conscientemente.

A mídia corporativa peruana têm sido preenchida com menções a “grupos terroristas”, em alguns casos citando grupos guerrilheiros extintos. A narrativa está sendo sistematicamente fabricada de que os massacres de jovens desarmados com munição real, brutais espancamentos e disparos de gás lacrimogêneo são de alguma forma justificados por essa inexistente ameaça. Ao longo dos anos 1990, essa linguagem foi utilizada para promover o regime autoritário de Alberto Fujimori, que está preso hoje por corrupção e pela organização de esquadrões da morte.

Após listar os nomes de vários adolescentes mortos nos protestos, cujos antecedentes no meio rural empobrecido foram noticiados pela imprensa local, a apresentadora do noticiário noturno do ATV, Juliana Oxenford, queixou-se: “É preciso investigar se algum deles pertencia a bandos terroristas, equipes de assassinos genocidas. É claro que temos de ter a certeza de que a polícia e os militares tiveram de utilizar armas de fogo como instrumento”.

A prisão reacionária de Castillo e a perseguição do seu antigo primeiro-ministro, Aníbal Torres, sob falsas acusações de “rebelião” também estão sendo exploradas para evocar a ameaça da insurreição armada por “terroristas”. Até o seu advogado, Wilfredo Robles, foi difamado como “terrorista” na televisão ao vivo pelas suas ligações na juventude ao grupo guerrilheiro maoísta, Sendero Luminoso.

A mídia corporativa e a polícia promoveram manifestações na terça-feira exigindo a supressão dos protestos sob o slogan orwelliano de “Paz e Democracia”. Os abastados participantes tomaram a Praça San Martin no centro de Lima, que está bloqueada aos manifestantes.

Os acontecimentos no Peru fazem parte de uma ofensiva global da classe trabalhadora em defesa dos seus interesses de classe independentes. Conforme o World Socialist Web Site escreveu na sua declaração de ano novo: “É verdade que a crise do capitalismo leva à revolução. Porém, a revolução deve ser preparada e é preciso lutar por ela. A resolução socialista da crise do capitalismo exige a resolução da crise da direção da classe trabalhadora”.

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