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Perspectivas

O abandono da COVID Zero pela China e a hipocrisia imperialista

Publicado originalmente em 17 de janeiro de 2023

No sábado, uma autoridade da Comissão Nacional de Saúde da China informou que o país registrou quase 60 mil mortes ligadas à COVID-19 entre 8 de dezembro e 12 de janeiro, desde que o país abandonou completamente sua rígida política de “COVID Zero”, acelerando um surto que se acredita ter infectado milhões de pessoas.

A informação de Jiao Yahui, chefe do departamento de assuntos médicos da comissão, foi a primeira vez que o governo chinês forneceu um quadro oficial da onda de COVID que está se espalhando pelo país.

O número de 60 mil mortes em poucas semanas é por si só uma quantidade espantosa, 30 vezes superior às mortes por COVID-19 notificadas em toda a China desde o início da pandemia. Porém, é provável que o verdadeiro número de mortos seja muito maior.

A notificação confiável de infecções e mortes na China foi abandonada nos últimos meses. Mesmo o número informado por Jiao foi dividido entre aqueles que morreram “com” COVID e “por” COVID, uma falsa distinção sem base médica científica, defendida pela primeira vez pela extrema direita nos Estados Unidos.

Esse número de mortos é um indiciamento do abandono do Partido Comunista Chinês (PCC) da política de COVID Zero, que havia se mostrado eficaz para suprimir a propagação do coronavírus. Enquanto a maioria dos governos adotou uma abordagem homicida de deixar o vírus se espalhar, resultando em mais de 6,7 milhões de mortes registradas globalmente, as 1,4 bilhão de pessoas na China puderam viver relativamente livres do vírus.

Hoje, registros do vírus se propagando nos locais de trabalho, de longas filas nos hospitais e de necrotérios sobrecarregados estão se espalhando nas redes sociais. Autoridades sanitárias da província de Henan anunciaram que 90% dos quase 100 milhões de habitantes da região haviam sido infectados até 6 de janeiro. Com uma previsão de 2,1 bilhões de viagens por todo o país durante o feriado do Ano Novo chinês, que começa em 22 de janeiro, a COVID-19 irá se espalhar por todos os bairros, cidades e vilarejos.

Embora o PCC seja responsável por esse desastre, a política de infecção em massa foi implementada enquanto era exigida pelos EUA e as outras potências imperialistas.

A força motriz por trás da reabertura foi mostrada nesta semana, com o vice-primeiro-ministro chinês, Liu He, discursando no encontro de bilionários no Fórum Econômico Mundial em Davos, proclamando o fim da COVID Zero e que a China abriria completamente aos negócios. Ele tranquilizou sua audiência: “A China está buscando a prosperidade comum... abertura aos empreendedores”.

Um dos maiores defensores do abandono das medidas de saúde pública foi o Washington Post, que publicou uma declaração do seu conselho editorial no início de novembro de 2022 exigindo que a China abandonasse a COVID Zero, afirmando: “Não está funcionando”. No final daquele mês, pequenos protestos da classe média contra os lockdowns, promovidos pela mídia ocidental, foram aproveitados pela burocracia do PCC para fazer exatamente isso.

Entretanto, após adotar as políticas de infecção em massa exigidas pelo capital financeiro global, o governo chinês continua sendo atacado e denunciado pela mídia dos EUA. Se o Presidente Xi Jinping e a liderança do PCC achavam que a sua anuência lhes daria algum espaço, eles estavam errados.

Os Estados Unidos e vários outros países responderam colocando novas restrições aos viajantes chineses, mesmo enquanto permitem o contínuo espalhamento da variante mais infecciosa da Ômicron, a XBB.1.5.

Com enorme hipocrisia, o mesmo conselho editorial que exigiu que a China deixasse o vírus se espalhar está denunciando Pequim pela subcontagem de infecções e mortes. Na segunda-feira, o Washington Post escreveu:

A desonestidade sobre o verdadeiro tamanho da pandemia na China constitui uma ameaça à saúde pública mundial. Os cientistas precisam saber se os padrões de transmissão mudaram, se novas variantes surgiram ou se a incidência de covid longa aumentou. Os epidemiologistas devem ser capazes de avaliar se o mundo deve se preparar para um novo surto global. E o povo chinês merece conhecer a verdadeira escala da calamidade que atinge seu país.

Esse parágrafo se aplicaria por inteiro com ainda mais força se as referências a “China” fossem substituídas por “Estados Unidos”. Sob a política defendida pelo Washington Post, mais de 1,1 milhão de pessoas morreram desnecessariamente. Isso resultou em um sistema de saúde sobrecarregado com trabalhadores da saúde exaustos, corpos empilhados em caminhões de frigoríficos e uma vala comum em Hart Island, Nova York.

O Post reclama que o número de mortes notificadas de 5.200 na China sob a COVID Zero foi “absurdamente baixo”. Entretanto, esse baixo número de mortes, que foi altamente preciso até o abandono da COVID Zero, era resultante das abrangentes medidas adotadas para evitar que a população fosse infectada em massa com um vírus mortal, algo que nunca foi tentado nos EUA ou em grande parte do mundo.

O conselho editorial também declara que “a covid zero não poderia continuar indefinidamente”, isso apesar de sua eficácia e da popularidade dessa política na população chinesa.

Na verdade, o Post desempenhou um papel crítico na promoção da política de “COVID sem fim” pioneira nos EUA, que está tendo hoje um impacto tão devastador na China.

Apenas três dias antes de seu editorial denunciando a China, o Post publicou um artigo de Leana Wen, vista com aprovação pela administração Biden, que abriu o caminho para a reabertura prematura das escolas e o fim da obrigatoridade do uso de máscaras. O artigo de Wen pedia que os EUA notificassem menos as mortes e casos, declarando absurdamente que os casos estão sendo superestimados. Na realidade, apenas cerca de um em cada dez testes rápidos positivos são confirmados com testes de PCR, a única maneira de uma infecção ser contada oficialmente.

Em março, o Post endossou o chamado por um “novo normal” promovido por ex-assessores de Biden e Obama, liderado pelo ativista eugenista, Ezekiel Emanuel. Emanuel pediu o desmonte da notificação diária de infecções por COVID-19, uma proposta que foi implementada no ano seguinte, com quase todos os estados e o governo federal transitando para a notificação semanal de infecções e mortes.

Além disso, o Post desempenhou um papel fundamental na promoção da teoria da conspiração de extrema direita de que o vírus da COVID-19 havia sido desenvolvido por cientistas em um laboratório de Wuhan, onde teria vazado, apesar das claras evidências de que ele surgiu pela primeira vez em um mercado de alimentos na cidade. O conselho editorial continua essa campanha em sua última declaração, afirmando sombriamente que “o governo chinês tem confiado no segredo, obscurecimento, intimidação e fabricação para esconder a origem do vírus”. Ele faz essa afirmação mesmo após investigações científicas internacionais, que tornaram clara a origem natural do vírus.

As 60 mil mortes confirmadas na China são apenas o começo. A política de infecção em massa implementada pelo PCC e exigida pelo capital financeiro já produziu um desastre de saúde, cujo verdadeiro impacto irá se tornar mais claro com o tempo. A infecção de bilhões de pessoas produzirá inevitavelmente novas cepas de COVID-19 que irão se espalhar globalmente.

A implementação bem sucedida de uma estratégia de eliminação de COVID Zero na China durante os três primeiros anos da pandemia deixa claro que é possível interromper a pandemia através do amplo uso de máscaras, testes e rastreamento de contatos, o fechamento temporário de escolas e empresas não essenciais e a vacinação em massa. Entretanto, o abandono da COVID Zero pelo PCC e a contínua propagação do vírus ressaltam que não existe uma solução nacional para a pandemia.

O sistema capitalista mundial e seus representantes em todos os governos nacionais se colocam como obstáculos no confronto ao desafio colocado pela COVID. O principal impedimento para salvar vidas não é tecnológico ou médico, mas político. Somente um esforço coordenado globalmente, liderado por uma classe trabalhadora internacional unida e armada com as informações fornecidas por cientistas e profissionais médicos de princípios, irá eliminar finalmente a COVID e pôr fim à pandemia.

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