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Podemos espanhol apoia acomodação do PT de golpistas de extrema direita

Publicado originalmente em 20 de janeiro de 2023

Milhões de pessoas em todo o mundo estão chocadas e alarmadas com a tentativa de golpe de Estado de 8 de janeiro em Brasília por apoiadores fascistas do ex-presidente Jair Bolsonaro. Cerca de 5 mil manifestantes invadiram os principais edifícios do governo federal brasileiro, exigindo “intervenção militar”. Trata-se de um país onde os militares tomaram o poder em 1964 e governaram em uma ditadura sangrenta durante duas décadas.

Pablo Iglesias discursa durante sessão no parlamento em Madri, Espanha em 22 de outubro de 2020 [AP Photo/Pablo Blazquez Dominguez]

Conforme o recém-eleito presidente Luiz Inácio Lula da Silva do Partido dos Trabalhadores (PT) admitiu, o que ocorreu foi uma tentativa de golpe de Estado por forças ligadas a figuras militares e de Estado de alto escalão, incluindo o próprio ministro da Defesa de Lula, José Múcio Monteiro Filho. Embora tenha reconhecido que Múcio havia aconselhado Lula a abdicar do poder e entregá-lo aos generais, Lula insistiu que ele permanecesse no cargo enquanto o PT tenta construir uma ponte política para os planejadores do golpe.

Dois anos após a tentativa de golpe fascista de Trump em Washington em 6 de janeiro de 2021, a tentativa de golpe fascista em Brasília e a resposta covarde do PT estão expondo a falência de organizações pseudoesquerdistas a nível internacional, incluindo o partido “populista de esquerda” na Espanha, o Podemos.

O Podemos apoia a acomodação dos golpistas de extrema direita no Brasil pelo PT, aprofundando seu histórico de dar cobertura a semelhantes golpistas na Espanha. Esse é o conteúdo das “Seis teses sobre o golpe e a extrema direita” de Pablo Iglesias, antigo líder e vice-primeiro-ministro do governo do Partido Socialista (PSOE) com o Podemos na Espanha, na revista online CTXT.

Iglesias escreveu: “O golpismo de extrema direita é hoje a maior ameaça contra a democracia liberal. Alguns de nós já dizíamos isso há muito tempo”. Para apoiar essa afirmação, Iglesias recorda que, em novembro de 2020, após um golpe apoiado pelos EUA e pela União Europeia (UE) na Bolívia, ele viajou para o país para “promover uma declaração (a Declaração de La Paz) que apontava a extrema direita como a maior ameaça à democracia na América e na Europa'.

O aviso de Iglesias sobre os golpistas de extrema-direita não é sincero. Após a experiência do domínio fascista na Europa e das sangrentas ditaduras militares em toda a América Latina no século 20, como foi que a extrema direita recuperou tal influência? Se alguns milhares de manifestantes de extrema direita ameaçaram tomar o poder em Brasília e Washington, é porque recebem apoio no Estado policial capitalista, enquanto partidos de pseudoesquerda como o Podemos trabalham para bloquear uma mobilização da classe trabalhadora contra esse perigo.

A ordem capitalista “liberal democrática” que Iglesias defende está a apodrecendo nas suas bases. Décadas de austeridade social e resgates bancários de quantias trilionárias desde a dissolução stalinista da União Soviética em 1991 produziram níveis de desigualdade incompatíveis com as formas democráticas de governo. Sob o Podemos, o índice da bolsa espanhol, Ibex, assim como outras bolsas em toda a Europa, está registrando lucros recorde enquanto a inflação empobrece os trabalhadores e o número de mortes por COVID-19 atinge 160 mil na Espanha e duas milhões em toda a Europa.

O Podemos não apenas liderou o desembolso de massivos fundos de resgate da UE para empresas e bancos, mas também aderiu à campanha de guerra dos EUA-OTAN contra a Rússia, armando o Batalhão de Azov neonazista da Ucrânia. O governo PSOE-Podemos criou campos de detenção em massa onde os refugiados que atravessam o Mar Mediterrâneo são sujeitos a espancamentos, assédio sexual e detenção por tempo indeterminado. Com o Podemos implementando tais políticas, que antes seriam impensáveis exceto sob regimes de extrema direita, a burguesia espanhola foi capaz de legitimar partidos de extrema direita como o Vox. Ignorando esse histórico, Iglesias escreve:

A radicalização da direita para a extrema direita é uma realidade em muitos países da América Latina, nos Estados Unidos e também em muitos países europeus. No caso espanhol, o surgimento do Podemos no auge do movimento de independência catalão provocaram um movimento reacionário de radicalização da direita que, vendo a estrutura de poder do sistema de 1978 ameaçada, defende sem hesitação a ordem acima dos resultados eleitorais.

O Podemos e a sua promoção do nacionalismo espanhol não provocou, mas facilitou e deu cobertura política à “radicalização da direita para a extrema direita”. Após 45 anos da substituição pela elite dominante espanhola do regime franquista que emergiu da vitória fascista na Guerra Civil espanhola de 1936-1939 por um regime parlamentar democrático em 1978, os planos de golpe de Estado e a legitimação da ditadura de Francisco Franco estão se desenvolvendo sob um governo do Podemos.

Iglesias se promove como crítico do “sistema de 1978” criado pelos franquistas, o PSOE e o Partido Comunista da Espanha (PCE) stalinista, mas ele dá continuidade à característica central da política stalinista do PCE. Mesmo diante do perigo de um governo militar fascista, o Podemos é resolutamente hostil a uma mobilização política revolucionária da classe trabalhadora.

Em 2020, após greves massivas na Espanha contra a inação oficial nos meses iniciais da pandemia da COVID-19, centenas de ex-oficiais de alto nível escreveram ao rei da Espanha, Felipe VI, chamando para que ele desse um golpe. Oficiais de alta patente ligados ao Vox chamaram pelo fuzilamento de “26 milhões” de pessoas, como no golpe de Franco de 1936. Iglesias foi empregado para minimizar o escândalo durante uma entrevista em horário nobre na televisão, onde declarou: “O que esses senhores dizem, com a sua idade e já reformados, durante uma conversa com algumas bebidas extras, não representa qualquer ameaça”.

As mentiras de Iglesias foram expostas semanas mais tarde, quando surgiram vídeos de soldados espanhóis cantando canções neonazistas e fazendo saudações fascistas. Pouco depois, os grupos de conversa do WhatsApp revelaram oficiais da ativa apoiando os chamados dos generais da reserva de extrema direita pela morte de 26 milhões de pessoas. O Podemos então apelou ao exército para que investigasse as suas próprias simpatias fascistas. Como esperado, o ministério da Defesa do governo PSOE-Podemos se recusou a revelar os resultados dessa falsa investigação.

Iglesias tenta encobrir o seu histórico, escrevendo: “O fascismo deve ser combatido com o código penal e deve ser reprimido. ... A defesa da democracia é, acima de tudo, um combate ideológico para o qual os dispositivos ideológicos e culturais são essenciais. Entre eles, os mais importantes são os dispositivos midiáticos. Se os democratas não se rearmarem com os instrumentos de mídia, o antifascismo será derrotado”.

O chamado de Iglesias pelo fortalecimento dos poderes repressivos do Estado capitalista é reacionário. O histórico do seu governo mostra que esses poderes não têm como alvo a extrema direita, mas a oposição da classe trabalhadora ao Podemos. O Podemos enviou unidades policiais fortemente armadas no ano passado para atacar greves, tais como a greve dos caminhoneiros nacional, enviando veículos blindados para atacar os trabalhadores metalúrgicos em Cádis.

Na medida em que a OTAN aprofunda a sua política de guerra mundial contra a Rússia, e os partidos de extrema direita e as tentativas de golpe se espalham internacionalmente, as lições da ascensão do fascismo na década de 1930 devem ser aprendidas. Parar a guerra imperialista e a marcha ao domínio da extrema direita não é uma questão “ideológica” a ser combatida através da obtenção de cargos nos meios de comunicação capitalistas. Ela exige a mobilização da classe trabalhadora, independentemente dos partidos do establishment e das burocracias sindicais nacionais, em uma luta pelo socialismo.

A base para mobilizar a classe trabalhadora contra a ameaça do domínio militar de extrema direita é a defesa do trotskismo pelo Comitê Internacional da Quarta Internacional (CIQI) contra a pseudoesquerda. A política de Iglesias não é um erro, mas o produto da sua defesa dos interesses materiais das camadas abastadas e pró-imperialistas da classe média. Essa orientação está no DNA do Podemos, fundado em 2014 como uma coligação de professores stalinistas como Iglesias com o Anticapitalistas, o aliado espanhol do Novo Partido Anticapitalista (NPA) pablista na França.

Os pablistas, cujos antepassados políticos rejeitaram o trotskismo e se separaram do CIQI há 70 anos, em 1953, defenderam que os stalinistas e nacionalistas burgueses serviriam como líderes revolucionários da classe trabalhadora durante toda uma época histórica. Sobre essa base, eles se acomodaram ao regime parlamentar criado pelos franquistas e stalinistas na Espanha em 1978. O histórico do governo PSOE-Podemos, décadas mais tarde, é o produto dessa visão de mundo anti-classe trabalhadora.

A luta contra os golpistas de extrema direita exige a construção de uma vanguarda trotskista na classe trabalhadora para romper o controle sobre as lutas dos trabalhadores exercido pelas burocracias sindicais nacionais, como a Central Única dos Trabalhadores (CUT) ligadas ao PT no Brasil e as comissões operárias (CCOO) ligadas ao Podemos na Espanha.

As lições que Trotsky tirou da forma como Franco preparou o golpe de Estado de 1936 sob o governo de Frente Popular espanhol de stalinistas, socialdemocratas, e liberais burgueses, são de enorme relevância para os trabalhadores que procuram se opor aos descendentes políticos pequeno burgueses da Frente Popular tal como Iglesias. Conforme a Guerra Civil Espanhola começava, Trotsky escreveu:

O perigo não reside nos fanfarrões e demagogos militares que aparecem abertamente como fascistas; incomparavelmente mais ameaçador é o fato de que, com a aproximação da revolução proletária, os quadros de oficiais se tornam o carrasco do proletariado. ... É necessário substituir as tropas no quartel comandado pela casta dos oficiais pela milícia popular, ou seja, pela organização democrática dos trabalhadores e camponeses armados. Não existe outra solução. Porém, um exército como esse é incompatível com o domínio dos grandes e pequenos exploradores. Poderiam os republicanos concordar com uma tal medida? De modo algum. O governo de Frente Popular, ou seja, o governo da coligação dos trabalhadores com a burguesia, é na sua própria essência um governo de capitulação à burocracia e aos oficiais. Essa é a grande lição dos acontecimentos na Espanha, agora paga com milhares de vidas humanas.

Quase 90 após essas linhas terem sido escritas, elas expõem as tentativas de um Lula ou de um Iglesias de anestesiar os trabalhadores do perigo da guerra mundial e do domínio fascista. As suas pretensões pseudoesquerdistas são completamente falsas. Elas são pela sua própria essência governos de capitulação aos bancos, à burocracia estatal e ao corpo de oficiais de extrema direita.

Expor o PT e o Podemos exige a construção de um movimento político contra a pseudoesquerda na classe trabalhadora, baseado em um programa internacionalista marxista para a revolução socialista. Isso significa construir o CIQI internacionalmente na classe trabalhadora, incluindo o desenvolvimento do Grupo Socialista pela Igualdade como seção brasileira do CIQI e lançar a luta para construir uma seção do CIQI na Espanha.

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