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Perspectivas

A crise no Níger e o risco de guerra global

Publicado originalmente em 11 de agosto de 2023

O empobrecido país na África Ocidental, o Níger, é o mais recente ponto de tensão na luta das potências imperialistas pela redivisão do mundo. As questões envolvidas na guerra entre a OTAN e a Rússia na Ucrânia – uma luta por território, recursos estratégicos e mudança de regime – estão surgindo por todo o mundo, na China e em Taiwan e, agora, na região do Sahel africano.

Embora esteja por enquanto adiada, uma guerra devastadora liderada pelo país mais poderoso da região, a Nigéria, está sendo ativamente preparada para expulsar os líderes golpistas do Níger e repor o presidente Mohamed Bazoum. Em um encontro da Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO), realizado na quinta-feira em Abuja, capital da Nigéria, os líderes concordaram em ativar uma força militar de prontidão e fizeram a ameaça de que “nenhuma opção foi retirada da mesa”.

Omar Touray (esquerda), presidente da comissão CEDEAO, recebe presidente da Mau-ritânia, Mohamed Ould El-Ghazouani (centro), para o encontro da CEDEAO em Abuja, Nigéria, 10 de agosto de 2023. [AP Photo/Gbemiga Olamikan]

Eles concordaram com uma nova rodada de sanções contra o Níger, que foi mergulhado em apagões devido ao corte da rede elétrica e teve aumentos de 60% nos preços dos alimentos devido ao bloqueio e ao congelamento de bens e do comércio.

Um conflito envolveria toda a região. O Senegal, o Benim e a Costa do Marfim já se comprometeram a enviar tropas para ajudar a Nigéria. O Mali, o Burkina Faso e a Guiné declararam-se a favor dos militares golpistas do Níger.

Por trás da ação proposta pela CEDEAO estão as potências imperialistas, que pretendem impedir a Rússia e a China de continuarem penetrando em um continente cuja importância estratégica está crescendo rapidamente. O declínio a longo prazo da posição econômica da França nas suas antigas colônias da África Ocidental – que culminou, nos últimos três anos, no colapso dramático da sua presença militar no Mali, no Burkina Faso e, agora, talvez no Níger – abriu a região do Sahel a uma intensa competição geopolítica.

Bazoum era considerado um importante aliado ocidental. Os Estados Unidos e as potências europeias reagiram ao golpe contra ele cortando o auxílio ao Níger, supostamente fornecido por razões “humanitárias” – do qual depende 40% do orçamento governamental anual do país. Eles estão determinados a garantir os seus interesses, custe o que custar.

Na terça-feira, após reuniões “difíceis” com os líderes do golpe de Estado, a vice-secretária de Estado interina dos EUA, Victoria Nuland – veterana do golpe de Estado apoiado pelos EUA em 2014 na Ucrânia – ameaçou: “Estaremos atentos à situação, mas compreendemos as nossas responsabilidades legais e as expliquei muito claramente aos responsáveis por essa situação e que não é nosso desejo ir até lá, mas eles podem nos levar a isso”.

Secretária de Estado para questões políticas dos EUA, Victora Nuland, em Colombo, Sri Lanka, 1º de fevereiro de 2023. [AP Photo/Eranga Jayawardena]

A cautela em relação a uma proposta de intervenção militar da CEDEAO foi centrada na preocupação de que tal ação não tenha sido devidamente preparada e possa desencadear uma oposição massiva em toda a região. Uma guerra mal avaliada poderia fazer explodir o barril de pólvora social na Nigéria, onde os EUA e o Reino Unido estão fortemente ligados política e economicamente.

Muito está em jogo. Atualmente, os Estados Unidos possuem 1.500 soldados do seu destacamento africano oficial de 6.500 tropas estacionadas no Níger em duas bases – uma das quais é o centro regional para missões com drones. A França possui 1.100 tropas no país, a Itália 300 e a Alemanha cerca de 100.

O Níger é um importante produtor de urânio, fornecendo um quarto do abastecimento da Europa. O país deverá começar a exportar petróleo e desempenha um papel central no policiamento da migração da África para a Europa. O Níger se tornou um Estado de linha da frente na batalha pela preeminência econômica e militar na África Ocidental e em todo o continente.

Mina de urânio no Níger. [Photo by Korea Open Government License/Korea Aerospace Research Institute]

Estima-se que a África possui 30% da riqueza mineral mundial, incluindo 90% do crômio e da platina – cruciais para a transição energética. Outro mineral é o cobalto, do qual 70% da oferta mundial é produzida na República Democrática do Congo. Até ao final do século, a África pode ser responsável por um quinto do fornecimento mundial de lítio.

O continente também produz 65% dos diamantes do mundo e possui 40% das reservas de ouro, 12% do petróleo e 8% do gás natural, enquanto só em Marrocos se encontram 75% do fosfato do mundo, essenciais para a produção de fertilizantes.

Em termos de mercados, o consumo na África estão em vias de crescer de US$1,4 bilhão em 2015 para US$2,5 bilhões em 2030.

Os EUA e a Europa estão preocupados em não deixar que o Níger seja mais uma perda para as reivindicações da China e da Rússia sobre essas riquezas e oportunidades.

O grupo Wagner russo (dirigido por Yevgeny Prigozhin) está operando no Mali, imediatamente a oeste do Níger, na Líbia, a nordeste, na República Centro-Africana (RCA) e no Sudão – fornecendo forças armadas aos seus governos em conflitos com grupos rebeldes locais. Na RCA e no Sudão, o grupo também gere minas privadas de ouro e diamantes.

O presidente russo, Vladimir Putin, inaugurou uma cúpula Rússia-África em 2019, prometendo ajudar a resistir a “uma série de países ocidentais [que] estão recorrendo à pressão, intimidação e chantagem de governos africanos soberanos”. A segunda cúpula, com muito menos participantes, realizada em condições de sanções antirrussas e da guerra na Ucrânia, teve lugar no mês passado, onde foi feito um esforço especial para cortejar o “líder interino” do Burkina Faso, o coronel Ibrahim Traoré.

A Rússia tem procurado utilizar seus recursos relativamente escassos para ganhar aliados e, ocasionalmente, empreendimentos lucrativos, mas a China está dando empregando enorme peso econômico para garantir o controle dos mercados de recursos da África. Ela possui participações de controle em grandes áreas da indústria de mineração do continente – incluindo a maior parte das minas de urânio no Níger, em adição à sua indústria petrolífera – fazendo parte de um estoque total de IDE (investimento direto estrangeiro) de 43,4 mil milhões de dólares em 2020, um aumento de 100 vezes em 17 anos.

A China é o maior credor bilateral da África, com empréstimos de US$153 bilhões nas duas décadas antes de 2019, e o seu segundo maior parceiro comercial após a União Europeia, e maior do que qualquer outro país.

Tanto a Rússia como a China também são grandes fornecedores de armas à África Subsaariana, representando 26% e 18% das vendas, respetivamente, nos últimos cinco anos, acima da França, que ocupa o terceiro lugar, com 8%, e dos EUA, com 5%.

Em 2019, o Comando Africano dos EUA (AFRICOM) lançou um plano de cinco anos para “intimidar” o que chamou de “ação maligna chinesa e russa”. O ex-chefe do AFRICOM, general do corpo de fuzileiros navais, Thomas Waldhauser, disse ao congresso naquele ano que ambos estavam atrás de “acesso e influência em nosso detrimento” e que, dentro de uma década, a China poderia ganhar a capacidade de inibir o acesso e as operações militares dos EUA. A política se manteve inalterada desde que os republicanos de Trump foram substituídos pelos democratas de Biden.

Colin P. Clarke, antigo analista da RAND e atual diretor de investigação da consultora de informação e segurança global, The Soufan Group, explicou sem rodeios à Newsweek as implicações da situação nigeriana.

“Essa situação pode assumir as dimensões de uma guerra regional por procuração, com os países ocidentais apoiando a CEDEAO e a Rússia apoiando o Níger – e o Burkina Faso e o Mali, se eles se juntarem – com o apoio do Grupo Wagner.

“O que está acontecendo no Sahel não é um espetáculo à margem da competição entre grandes potências, é uma competição entre grandes potências. Os acontecimentos que estão se desenrolando não estão acontecendo no vácuo. Os EUA, a França, a China e a Rússia possuem oss seus próprios interesses nos países do Sahel”.

Os trabalhadores e os pobres das zonas rurais do Níger e da África Ocidental são confrontados com a catástrofe que o Comitê Internacional da Quarta Internacional (CIQI) advertiu na sua Conferência de Berlim de 1991 dos Trabalhadores contra a Guerra Imperialista e o Colonialismo, realizada em resposta à Guerra do Golfo.

O manifesto que anunciava essa conferência explicava: “Aquilo que é na prática a atual divisão do Iraque, sinaliza o início de uma nova divisão do mundo pelos imperialistas. As colônias de ontem serão novamente subjugadas. As conquistas e anexações que, segundo os defensores oportunistas do imperialismo, pertenciam a uma época passada, estão de novo na ordem do dia”.

Baseada na teoria da revolução permanente de Trotsky, a declaração advertia que a luta “contra a opressão imperialista não pode ser travada com sucesso enquanto a classe trabalhadora permanecer sob o domínio político de qualquer ala da burguesia nacional”. É inseparável de uma luta contra as classes dominantes nacionais que têm supervisionado a contínua e cruel exploração das massas africanas, mantidas no poder por militares treinados e financiados pelos imperialistas.

O Níger deve, acima de tudo, servir de alerta à classe trabalhadora de todo o mundo para a necessidade urgente de se opor aos objetivos de guerra predatórios das potências imperialistas. Assim como o CIQI e a Juventude e Estudantes Internacionais pela Igualdade Social insistiram ao chamar pela construção de um movimento mundial contra a guerra OTAN-Rússia:

A guerra na Ucrânia não é um episódio que será resolvido em breve e seguido por um retorno à “normalidade”. É o início de uma violenta erupção de uma crise global que só pode ser resolvida de uma de duas maneiras. A solução capitalista leva à guerra nuclear, embora a palavra “solução” dificilmente possa ser aplicada racionalmente ao que equivaleria a um suicídio planetário. Assim, a única resposta viável, do ponto de vista da garantia do futuro da humanidade, é a revolução socialista mundial.

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