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Governo Lula busca fortalecer as Forças Armadas no 7 de Setembro

Nas últimas semanas, a crise política no Brasil atingiu um novo estágio com uma série de investigações, de escândalos de corrupção a planos para um golpe de Estado, se aproximando cada vez mais do ex-presidente fascistoide Jair Bolsonaro e seu círculo político e militar. Em resposta, o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (Partido dos Trabalhadores - PT) redobrou seu compromisso de proteger e reabilitar politicamente as Forças Armadas que conspiraram ao lado de Bolsonaro para derrubar as formas democráticas de governo no Brasil.

[Photo: Ricardo Stuckert/Twitter]

Em sua última tentativa nesse sentido, o governo Lula decidiu usar o Dia da Independência, em 7 de setembro, para ligar as Forças Armadas à “democracia” e à “união nacional,” buscando “despolitizar” e “ressignificar” o verde e amarelo da bandeira brasileira que nos últimos anos se tornou o símbolo do movimento fascistoide ligado a Bolsonaro.

Nos últimos dois anos, as comemorações do 7 de Setembro uniram paradas militares massivas com manifestações de apoiadores fascistoides de Bolsonaro defendendo uma nova ditadura militar. As Forças Armadas, que acompanharam o questionamento do ex-presidente ao sistema de votação eletrônica do Brasil, foram as coorganizadoras dos comícios político-militares do 7 de Setembro do ano passado.

Esse processo se desenvolveu em meio à pandemia de COVID-19, em que uma Comissão Parlamentar de Inquérito do Senado brasileiro apontou nove crimes cometidos por Bolsonaro. Hoje, ele está sendo investigado em mais de 20 processos no Supremo Tribunal Federal (STF), no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e na primeira instância da justiça brasileira.

A colaboração que Bolsonaro teve das Forças Armadas brasileiras já levou 13 militares a serem investigados, com a possibilidade de esse número aumentar no próximo período e atingir o alto escalão militar que participou de seu governo. Um deles, o ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, tenente-coronel Mauro Cid, está preso preventivamente desde o início de junho por ter adulterado o cartão de vacinação de Bolsonaro. Ele também é investigado em outros 7 processos, incluindo sobre a tentativa de golpe de 8 de Janeiro e a venda ilegal de joias nos EUA que Bolsonaro recebeu de autoridades estrangeiras.

No celular de Cid, apreendido em maio pela Polícia Federal, foi encontrada a chamada “minuta do golpe,” que segundo o ministro do STF responsável pelo inquérito, Alexandre de Moraes, previu um roteiro “jurídico e legal para a execução de um golpe de Estado”.

Depois de ficar em silêncio em depoimentos anteriores para a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Congresso brasileiro que investiga o golpe de 8 de Janeiro e para a Polícia Federal, Cid apenas na semana passada falou por mais de 22 horas em seus dois depoimentos à Polícia Federal. Uma tentativa de acordo de deleção premiada foi submetida ao STF na quarta-feira. Segundo uma fonte ouvida pela jornalista Andrea Sadi, da GloboNews, os depoimentos de Mauro Cid focaram no “roteiro do golpe” e foram descritos como “amplos, diversificados e ruins para Bolsonaro.”

Ela também informou que “militares do governo Bolsonaro estão ... preocupados com o que ele pode relatar de envolvimento e reuniões com Heleno, Braga Netto e novos personagens do núcleo militar.” O general Augusto Heleno foi o chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) do governo Bolsonaro e general Walter Braga Netto foi ministro da Casa Civil e candidato a vice-presidente na chapa de Bolsonaro. Ambos podem ser convocados para prestar depoimentos à CPI.

Entre o alto escalão militar envolvido em esquemas de corrupção e nas tramas do golpe de 8 de Janeiro estão o general Mauro César Lourena Cid, pai do tenente-coronel Mauro Cid, e o general Paulo Sérgio Nogueira, ex-ministro da Defesa do governo Bolsonaro.

Nesse contexto em que está claro o amplo envolvimento das Forças Armadas na trama golpista de Bolsonaro, o governo Lula está fazendo tudo o que pode para blindá-las. O Globo informou em 28 de agosto que, com o avanço das investigações sobre os militares, o ministro da Defesa, José Múcio, e o comandante do Exército, general Tomás Paiva, “lançaram uma ofensiva nas últimas semanas para tentar evitar desgastes na imagem das Forças Armadas”. Eles estão avançando a alegação de que é necessário “preservar a instituição” e “individualizar as condutas” dos militares envolvidos no 8 de Janeiro.

Como parte dessa ofensiva, uma reunião foi realizada em 23 de agosto entre o comandante Paiva, o ministro Múcio e o presidente e a relatora da CPI, Arthur Maia e Eliziane Gama, que vêm repetindo de maneira fraudulenta que as Forças Armadas não só não participaram do golpe de 8 de Janeiro, como impediram que acontecesse.

De maneira mais significativa, o ministro Múcio, o general Paiva e os chefes da Marinha e Aeronáutica encontraram-se em 19 de agosto com o presidente Lula. Denunciando o “caráter extraordinário” da reunião, o jornalista veterano Jânio de Freitas disse em seu programa semanal de 25 de agosto que “o governo está devendo uma explicação mais clara sobre o que foi que se passou ali. ... A população tem o direito de saber.” Porém, Lula permaneceu em silêncio sobre o encontro, com o site Terra informando que uma fonte presente disse que o presidente “reiterou [sua] confiança nas Forças Armadas”.

A posição covarde do governo Lula em relação ao maior ataque contra a democracia brasileira desde o golpe militar de 1964 tem sido amplamente criticada inclusive por membros do PT. O deputado federal Carlos Zarattini disse em entrevista à Forum na segunda-feira passada que “O governo deveria tirar o veto que vem fazendo à CPI através do Múcio para impedir uma investigação sobre militares que participaram da articulação do golpe [de 8 de janeiro].” Antes, o governo Lula, supostamente a quem mais interessaria esclarecer os eventos de 8 de Janeiro, tinha trabalhado intensamente para evitar que a própria CPI fosse instalada.

Porém, a crença de que o encobrimento aos militares está sendo realizado apenas pelo ministro Múcio, que Lula manteve no cargo mesmo depois de ele ter elogiado os acampamentos golpistas em frente aos Quarteis Generais do Exército que prepararam o ataque às sedes dos Três Poderes como “manifestações da democracia” e tem repetido que a página do 8 de Janeiro deve ser virada o mais rapidamente possível, é desmentida tanto por desenvolvimentos recentes quanto pelo histórico dos governos anteriores do PT em relação aos militares.

No início de agosto, o governo Lula concretizou sua promessa realizada logo depois do golpe de 8 de Janeiro de um investimento de 53 bilhões de reais para inúmeros programas das Forças Armadas dentro do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Em comparação, os orçamentos anunciados da saúde e educação foram de 45 bilhões de reais e 31 bilhões de reais, respectivamente.

Segundo o site do governo, o objetivo desse investimento é “gerar emprego e fomentar a neoindustrialização”, fortalecendo a “capacidade de defesa nacional” e a “Base Industrial de Defesa. ... Atualmente, o setor representa cerca de 5% do Produto Interno Bruto e gera 2,9 milhões de empregos, diretos e indiretos.”

Em uma dura resposta, as associações brasileiras de Estudos de Defesa, de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais e de Ciência Política escreveram em nota conjunta que “O orçamento destinado hoje às Forças Armadas não é compatível com a construção de uma sociedade democrática... O governo não pode continuar refém de uma instituição marcada pela tradição golpista.”

Na verdade, se o governo Lula é “refém”, isso não acontece por causas externas, mas por suas próprias políticas. O que tem impedido o PT de tirar as lições fundamentais dos anos de ditadura militar no Brasil entre 1964 e 1985 e, mais recentemente, da chegada de um aberto defensor da ditadura militar como Bolsonaro ao poder é o seu caráter nacionalista e pró-corporativo.

Hoje esse programa está fazendo com que o PT repita e aprofunde, em um contexto internacional muito mais explosivo marcado pela guerra na Ucrânia, a política que seus governos anteriores implementaram entre 2003 e 2016 e abra o caminho para novas derrotas da classe trabalhadora brasileira e internacional.

Nesse período, os governos do PT fortaleceram e aumentaram a autonomia das Forças Armadas brasileiras, que receberam os maiores investimentos de sua história. Como está se repetindo hoje, elas foram consideradas pelos governos do PT de então como parte de sua estratégia de desenvolvimento econômico nacional, que fez com que grandes empresas brasileiras criassem divisões especializadas em defesa, como a empreiteira gigante Odebrecht, hoje envolvida na construção do projeto do submarino nuclear brasileiro.

Como parte da política externa “altiva e ativa” dos governos do PT, o Brasil chefiou a “operação de paz” das Nações Unidas no Haiti, comandada pelo general Heleno. Internamente, as Forças Armadas foram usadas para reprimir os protestos contra a Copa do Mundo de 2014, os Jogos Olímpicos de 2016, a privatização do petróleo e inúmeras outras manifestações massivas. Ao mesmo tempo, quando confrontados pelos militares, os governos do PT de Lula e Dilma Rousseff capitularam. No episódio mais significativo, a Comissão Nacional da Verdade, que funcionou de 2011 a 2014 e investigou crimes militares durante a ditadura brasileira (1964-1985), foi encerrada sem uma única acusação contra os militares.

O principal documento militar dos governos do PT, a Estratégia Nacional de Defesa de 2008, resumiu o programa do PT em relação aos militares, escrevendo: “o projeto nacional para as forças militares [são um] meio de unir a nação acima das diferenças de classe social.”

Como a história do Brasil e da América Latina mostrou no século passado, a política de “união nacional” dos governos nacionalistas burgueses e pequeno-burgueses apenas abriu caminho para o fortalecimento da extrema direita e a ameaça de novos golpes militares na região.

Para a classe trabalhadora, a única resposta a essa ameaça não é a “união nacional”, mas o desenvolvimento da luta de classes como parte da luta pelo socialismo internacionalista. Isso, por sua vez, requer a assimilação da longa luta do Comitê Internacional da Quarta Internacional contra o nacionalismo burguês e pequeno-burguês e a construção de seções nacionais do CIQI em todo o mundo.

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