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Governo Lula descarta vacinação universal contra a COVID-19 e aprofunda política de “imunidade de rebanho” no Brasil

Após um pouco mais de um ano da posse do presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva, toda a negligência criminosa do novo governo do Partido dos Trabalhadores (PT) em resposta à pandemia de COVID-19 está totalmente exposta.

O presidente Lula e a ministra da saúde Nísia Trindade [Photo: Ricardo Stuckert/PR]

A divulgação de dados diários da pandemia foi encerrada em fevereiro do ano passado e, em maio, o governo Lula saudou a decisão sem base científica da Organização Mundial da Saúde (OMS) de acabar com a Emergência de Saúde Pública de Interesse Internacional pela COVID-19. Desde a posse de Lula, não foram implementadas campanhas educativas sobre a transmissão aérea do SARS-CoV-2 e os perigos ainda colocados pela COVID-19, e, no final do ano passado, seu governo descartou a vacinação contra a COVID-19 a toda a população para combater uma pandemia ainda em curso.

A vacina bivalente da Pfizer, com a variante original e a subvariante BA.1 ou BA.4/BA.5 da Ômicron, começou a ser aplicada em fevereiro de 2023 para pessoas maiores de 60 anos, maiores de 12 anos com comorbidades e outros grupos específicos. No final de abril, com apenas 17,6% da população apta tendo recebido a vacina bivalente, o governo Lula a autorizou para toda a população maior de 18 anos, para quem ele havia alegado que “não traria benefícios”.

No final de outubro, o governo Lula anunciou a inclusão da vacina contra a COVID-19 no Programa Nacional de Imunizações (PNI) a partir deste ano. Porém, ela será aplicada apenas em crianças entre 6 meses e 5 anos, idosos e outros grupos específicos. Mesmo se todas as pessoas incluídas no PNI forem imunizadas, isso representará menos de um terço da população brasileira com uma nova dose da vacina contra a COVID-19 em 2024.

Considerando o que se viu no ano passado, mesmo um nível razoável de imunização dessa população está longe de ser alcançado. Tendo abandonado praticamente todas as medidas de saúde pública que ajudam a criar um alerta público sobre os perigos da COVID-19, levando a população a acreditar que a pandemia acabou, a campanha de vacinação contra a COVID-19 do governo Lula tem sido um fiasco. Em meados de dezembro, a cobertura vacinal da bivalente era de 17%.

Desde que chegou ao poder, o governo Lula está seguindo a estratégia da elite dominante mundial de acabar com todas as medidas de mitigação, como o uso de máscaras, e insistindo que “ainda vamos conviver com a COVID-19” e que “nossa grande aliada é a vacinação”, segundo a ministra da saúde Nísia Trindade. Contrariando a alegação de que iria “seguir a ciência” em sua suposta “reconstrução” do Brasil, a decisão do governo Lula de abandonar a vacinação universal contra a COVID-19 mostra que está continuando e aprofundando a política de “imunidade de rebanho” no Brasil iniciada pelo ex-presidente fascistoide Jair Bolsonaro (2019-2022), normalizando contínuas ondas de infecção, debilitação e morte em massa.

Uma série de pessoas preocupadas com a pandemia tem se manifestado no X/Twitter denunciando a política de “imunidade de rebanho” do governo Lula. Em um longo fio do início de novembro, logo após o anúncio da inclusão da vacina contra a COVID-19 no PNI, o ativista anti-COVID Márcio explicou as limitações da campanha de vacinação do governo Lula: “Ao tomar essa decisão, o governo federal afirma que segue o recomendado pela OMS. De fato, essa é a sua recomendação. Porém, temos de entender que a OMS é um organismo multilateral que usa a equidade para traçar as suas recomendações aos países membros. Ou seja, essa sugestão da OMS é o mínimo que um país poderia ofertar a sua população. Portanto, o Brasil poderia oferecer o máximo ou mais que o mínimo, vacinando toda a sua população.”

Ele também chamou a atenção para o fato de o governo Lula não ter adquirido as vacinas monovalentes mais atualizadas contra a subvariante XBB.1.5 da Ômicron, que predominou no Brasil ao longo de quase todo o ano passado e está sendo aplicada em praticamente toda a população do Hemisfério Norte. Nos EUA, seu uso foi autorizado para toda a população maior de 12 anos, sendo também permitida para uso emergencial em bebês de seis meses a crianças de 11 anos.

Em resposta à alegação do Ministério da Saúde de que “Para as demais pessoas, incluindo adultos saudáveis, não há recomendação de vacinação anual”, Márcio denunciou em outro fio no início de dezembro: “Essa atitude do governo federal atual nega a realidade. A COVID-19 ainda representa um perigo tanto na fase aguda como na sua fase crônica (COVID longa).” Por isso, segundo ele, essa alegação mostra que “o Brasil oficialmente se tornou um dos países mais negacionistas com relação ao SARS-CoV-2.”

De fato, é um fato científico que a eficácia das vacinas contra a COVID-19 diminui tanto com o tempo quanto em função da variante utilizada para fabricá-las e da variante contra a qual ela irá agir no caso de infecção, razão pela qual as empresas farmacêuticas têm atualizado essas vacinas regularmente. Inúmeros estudos também têm apontado a necessidade de ter a máxima cobertura vacinal possível com vacinas atualizadas contra as mais novas variantes e aplicadas regularmente como um dos instrumentos de combate efetivo à pandemia.

Além disso, apesar de diminuir a possibilidade de casos graves, as vacinas não impedem a infecção e não oferecem proteção significativa contra os diversos efeitos da COVID longa, uma condição crônica que pode afetar praticamente qualquer órgão do corpo e se desenvolve em 10-20% dos infectados, segundo a OMS. Apesar de todo o perigo que a COVID longa representa para a população brasileira, esse “efeito debilitante em massa” é um assunto totalmente ignorado pelo governo Lula.

O destacado neurocientista Miguel Nicolelis, que tem acompanhado de perto a dinâmica da pandemia no Brasil desde o seu início, também tem se manifestado no X/Twitter. Ao longo de novembro, ele questionou “a justificativa para não vacinar toda a população em 2024 com novas vacinas desenvolvidas para combater as novas variantes derivadas da Ômicron”, além de ter cobrado um “Plano Estratégico do Ministério da Saúde para dar conta do tsunami de pacientes com COVID crônica que vai atingir as portas do SUS [Sistema Único de Saúde] nos próximos meses e anos”.

Em uma dessas postagens, Nicolelis também denunciou: “O Brasil abandonou qualquer tipo de vigilância e combate a pandemia por decreto… Basicamente, estamos navegando às cegas.”

Se o monitoramento da pandemia no Brasil foi uma das tantas medidas completamente negligenciadas pelo governo Bolsonaro, sendo praticamente impossível ter uma dimensão real da COVID-19 no país, sob o governo Lula isso é ainda mais difícil. No ano passado, a quantidade de testes RT-PCR realizada foi a menor desde o início da pandemia. Até setembro, tinham sido realizados apenas 1,76 milhão de testes, contra 9,5 milhões em 2020, 21 milhões em 2021 e 5,9 milhões em 2022.

Sem ter implementado um sistema coordenado nacionalmente de monitoramento da pandemia, nem mesmo haver disponíveis dados da água do esgoto, a divulgação dos dados de COVID-19 acontece com muitas falhas e enorme subnotificação semanalmente reunindo os dados dos estados brasileiros. Os últimos dados mostram que a semana entre 14 e 20 de janeiro registrou 38.246 casos e 196 mortes por COVID-19. Ao todo, o Brasil registrou 38 milhões de casos e 709 mil mortes desde o início da pandemia, além dos milhões sofrendo com a COVID longa.

A taxa de positividade para vírus respiratórios no Brasil entre 21 de janeiro de 2023 e 20 de janeiro de 2024 [Photo: Todos pela Saúde]

Depois de uma onda entre setembro e novembro passado, a taxa de positividade monitorada pelo Todos pela Saúde, uma entidade sem fins lucrativos que analisa dados de sete laboratórios privados no Brasil, aumentou desde o começo do ano, indicando o início de uma nova onda. Segundo seu boletim de segunda-feira, “após ficar três meses na faixa dos 20%, a positividade para COVID-19 voltou a subir depois do período de festas de fim de ano, atingindo 27%”.

Isso coincide com a propagação desimpedida da subvariante JN.1 da Ômicron, altamente infecciosa e mais resistente às vacinas. Predominante no mundo, ela está impulsionando uma nova onda nos EUA e em outros países. Segundo a Fiocruz, a predominância da JN.1 saltou de 18,3% em novembro para 56,8% em dezembro.

O primeiro ano do governo Lula, um representante leal da elite capitalista brasileira e internacional, mostrou ele que não tem qualquer interesse em implementar uma resposta científica à pandemia de COVID-19. Lula chegou ao poder para aprofundar as políticas de austeridade de seus governos anteriores (2003-2010) e priorizar os lucros corporativos sobre a vida. Hoje, isso está se expressando no “novo arcabouço fiscal” aprovado no ano passado e na “meta de déficit zero” para o orçamento de 2024, ambos aplaudidos pelo mercado financeiro internacional e que ameaçam o piso constitucional da saúde.

Como a declaração de Ano Novo do World Socialist Web Site analisou, a estratégia de eliminação do novo coronavírus, a única resposta científica à pandemia de COVID-19, “continua sendo viável e necessária”. Até o final de 2022, a China mostrou que a combinação de várias medidas de saúde pública há muito tempo conhecidas, como o uso de máscaras de alta qualidade, um rigoroso sistema de vigilância e rastreamento de contatos e a vacinação, pode deter a transmissão do SARS-CoV-2, salvar vidas e evitar os efeitos debilitantes da COVID longa. Porém, a estratégia de eliminação da China também mostrou a inviabilidade de “qualquer programa nacional na época do imperialismo”.

Para que a estratégia de eliminação seja efetiva, a declaração enfatizou que ela deve ser globalmente coordenada através da “construção de um movimento de massas lutando pelos seguintes princípios: A luta contra a pandemia é uma questão política e revolucionária que exige uma solução socialista; A organização da saúde pública deve basear-se na necessidade social e não no lucro corporativo; A motivação do lucro deve ser totalmente removida de todas as empresas de saúde, farmacêuticas e de seguros.”

No Brasil, levar esse programa adiante requer uma ruptura consciente com o governo Lula e o Partido dos Trabalhadores, assim como com os sindicatos e a pseudoesquerda que têm ajudado a implementar a política de “imunidade de rebanho”. Fazemos um chamado a todos aqueles que estão lutando por um programa baseado na ciência em resposta à pandemia, aos cientistas de princípio e, acima de tudo, à classe trabalhadora brasileira para estudar cuidadosamente a declaração de Ano Novo do WSWS e organizar a luta pela eliminação global da COVID-19 como parte de um movimento socialista internacional.

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