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Trabalhadores dos Correios aprovam indicativo de greve contra ataques do governo Lula

Os trabalhadores dos Correios no estado de São Paulo, o mais rico e industrial do Brasil, aprovaram na quinta-feira um indicativo de greve para 16 de dezembro em meio aos impasses na negociação do novo Acordo Coletivo de Trabalho para o próximo ano. 

Protestos de trabalhadores dos Correios no Rio de Janeiro em outubro deste ano. [Photo: SINTECT-RJ]

De maneira mais significativa, eles também estão lutando contra um “plano de reestruturação” apresentado em 21 de novembro pelo governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (Partido dos Trabalhadores – PT) que acelerará os planos de privatização de uma das maiores empresas públicas do Brasil.

Assembleias também foram convocadas pelos outros 35 sindicatos locais, e nos próximos dias os trabalhadores de outras regiões e estados do Brasil poderão aprovar mais indicativos greves.

O “plano de reestruturação” do governo Lula estabelece um Plano de Demissão Voluntária (PDV) para 10 mil dos 83 mil funcionários, o fechamento de mil agências e a venda de imóveis dos Correios. Além disso, ele prevê um empréstimo de 20 bilhões de reais para supostamente “modernizá-lo” e enquadrá-lo dentro da lógica empresarial. 

O governo Lula justificou esse plano devido à  alegada situação financeira insustentável dos Correios. Dos últimos dez anos, os Correios tiveram prejuízo em cinco. Em 2024, o déficit dos Correios foi de mais de R$2,5 bilhões, e a previsão é que chegue a R$10 bilhões este ano. 

Ao longo de seus 360 anos de existência em um país continental como o Brasil, os Correios operam em todos os 5,5 mil municípios do país, oferecendo desde serviço postal e de entregas até bancário e de distribuição de vacinas e alimentos a famílias pobres. É essa capilaridade e capacidade logística únicas que têm atraído o interesse de empresas como as americanas Amazon e Fedex, a alemã DHL, a chinesa Alibaba e a argentina Mercado Livre.

Para atender aos interesses crescentes dessas e outras empresas, há anos sucessivos governos brasileiros têm cortado pessoal, salários e direitos, precarizado as condições de trabalho e avançado a privatização dos Correios do Brasil. Hoje, apenas o serviço postal é monopólio dos Correios, enquanto o serviço de entrega de encomendas está aberto à livre concorrência no Brasil desde 2009.

O que o governo Lula está fazendo agora é uma continuação do que o PT fez durante os 13 anos em que ele esteve no poder no início deste século (2003-2016). Nesse período, ele aumentou o número de trabalhadores terceirizados e de agências conveniadas. Greves foram realizadas quase anualmente.

Desde o primeiro ano do governo da petista Dilma Rousseff, em 2011, não há concursos públicos e novas contratações para a empresa, o que fez o número de funcionários diminuir de 120 mil naquele ano para 100 mil em 2020 e para 83 mil hoje. Apenas neste ano, os Correios perderam 3,5 mil funcionários através de um PDV lançado pelo governo Lula em maio. Segundo a União Postal Universal da ONU, seriam necessários 250 mil trabalhadores nos Correios para atender um país continental como o Brasil.

Durante o governo do presidente fascista Jair Bolsonaro (2019-2022), os ataques aos Correios se aprofundaram. Em 2020, ele suprimiu 50 das 79 cláusulas do Acordo Coletivo de Trabalho, que incluíam benefícios relacionados à alimentação, férias, saúde, licença-maternidade e educação dos filhos e resultou numa redução salarial entre 43% e 69%, dependendo da faixa salarial dos funcionários. 

Em 2021, ele enviou ao Congresso brasileiro um projeto de lei para quebrar o monopólio dos serviço postal, que foi aprovado no mesmo ano na Câmara mas não chegou nem a ser votado no Senado federal. No entanto, os esforços do Congresso para quebrar o monopólio do serviço postal têm continuado, com a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara aprovando em março deste ano um outro projeto de lei nesse mesmo sentido que está sendo discutido entre os deputados.

O governo Lula, apesar de alegar ser contra a privatização dos Correios, está implementando medidas que abrirão o seu caminho. Elas incluem, além daquelas no recentemente anunciado “plano de reestruturação”, outras que têm aberto a concorrência de determinadas áreas a empresas privadas e diminuído sua arrecadação. 

Entre 2018 e 2020, o serviço de entrega de mercadorias nacionais e internacionais foi responsável pela maior parte da receita dos Correios (52%), com ele tendo realizado 80% das entregas de varejistas online de pequeno e médio porte. 

Porém, em agosto de 2023, no primeiro ano do governo Lula, uma instrução normativa da Receita Federal permitiu que transportadoras privadas participassem da entrega de encomendas vindas do exterior, quebrando o monopólio que os Correios tinham sobre esse mercado. Isso fez com que a participação dos Correios no setor de encomendas caísse de 50% para 25%.

Nesse quadro geral, os trabalhadores dos Correios do Brasil, assim como suas contrapartes em todo o mundo, têm se submetido a condições cada vez mais brutais de trabalho, em que acidentes de trabalho, desde lesões por esforço repetitivo, problemas de coluna até acidentes fatais, tornaram-se a norma. Hoje, os Correios é a empresa com mais processos trabalhistas no Brasil.

Dados recentes do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) mostram que nos últimos 12 meses foram registrados mais de 56 mil (70% da força de trabalho total da estatal) processos judiciais trabalhistas contra os Correios – uma média de 154 novos processos por dia, ou cerca de 6 novas ações a cada hora. 

Ouvida por uma reportagem do Estado de S. Paulo, a advogada Marina Tambelli, que representa funcionários efetivos e terceirizados dos Correios, “atribui o volume de ações ao não investimento da empresa em segurança e saúde do trabalhador e aos processos de terceirização”. Ela também destacou que “a insalubridade se intensificou na pandemia” de COVID-19, quando o governo Bolsonaro, ao tornar os Correios um serviço essencial, expôs amplamente os trabalhadores ao vírus mortal.

Acidentes fatais que poderiam ser facilmente evitados também têm acontecido cada vez mais nos Correios. Em setembro, a Justiça do Trabalho condenou a empresa a indenizar em R$2,5 milhões a família de um operador de empilhadeira que morreu depois de caixas de livros caírem sobre sua cabeça. Ele trabalhou durante 32 anos nos Correios. 

Reportagem do site Jota afirmou que “Laudos e depoimentos apontaram que o ambiente de trabalho apresentava falhas graves de segurança, como paleteiras defeituosas, rampa com declive acentuado, ausência de grades de proteção e falta de amarração das cargas, fatores que, segundo a sentença, foram determinantes para o acidente.”

Os trabalhadores dos Correios do Brasil têm respondido a esse processo com protestos e greves crescentes. Em 2020, depois de greves espontâneas no início da pandemia, eles realizaram uma greve de 35 dias contra os ataques do governo Bolsonaro. Ela foi a maior greve da categoria desde 1995.

Trabalhadores dos Correios protestando na cidade de Campinas, no interior de São Paulo, durante a greve de 2020.

Em 2023, como parte de um amplo movimento de funcionários públicos federais contra o governo Lula, eles realizaram paralisações e protestos exigindo melhores salários e condições de trabalho e contra ataques ao plano de saúde. No ano passado, os trabalhadores dos Correios realizaram uma greve de 16 dias pelos mesmos motivos. 

A aprovação do indicativo de greve para 16 de dezembro dos trabalhadores dos Correios de São Paulo acontece depois de uma série de protestos e paralisações locais que aconteceram ao longo deste ano em todo o Brasil. 

O principal obstáculo ao avanço dessas lutas é a perspectiva nacionalista e pró-corporativa das federações sindicais dos trabalhadores dos Correios, que têm um histórico de dividir os trabalhadores, isolá-los de outras categorias do funcionalismo público federal e desviar suas lutas para apelos vazios aos tribunais para quebrar impasses nas negociações dos Acordos Coletivos de Trabalho.

Desde 2013, os trabalhadores dos Correios estão divididos entre duas federações sindicais: a Fentect, afiliada à CUT, a central sindical controlada pelo PT, e a Findect, afiliada à CTB, a central sindical controlada pelo maoísta Partido Comunista do Brasil (PCdoB). Neste ano, elas decidiram realizar uma “atitude inédita” e forjar uma “unidade diante de uma crise sem precedentes, na qual a direção da empresa tenta transferir prejuízos aos trabalhadores”, segundo comunicado conjunto de 2 de dezembro.

Em resposta ao “plano de reestruturação” do governo Lula, a Fentect escreveu uma nota dizendo que “Empurrar um PDV goela abaixo, tentando alcançar 10 mil desligamentos, não é solução, é ataque.” Para ela, isso ainda representa “uma tentativa de desmontar a empresa por dentro e fragilizar ainda mais um serviço público essencial.”

A solução para a crise dos Correios, segundo a Fentect, seria “estabelecer um plano de negócios sério, com planejamento financeiro de médio e longo prazo, modernização, ampliação de receita e valorização dos trabalhadores que sustentam a empresa todos os dias”. 

Um plano como esse, no entanto, está longe de garantir melhores salários e condições de trabalho aos trabalhadores dos Correios. Seu objetivo é aumentar a competitividade dos Correios diante de concorrentes internacionais, o que inevitavelmente será compensado por novos ataques aos trabalhadores. 

Além disso, enquanto a Fentect denuncia os ataques do governo Lula, ela e a Findect estão realizando apelos inúteis para que o “presidente Lula salve os Correios!” e avançando o veneno nacionalista de que “Defender os Correios é defender a soberania!”

O que os trabalhadores dos Correios precisam não é defender a soberania nacional para garantir os seus interesses, mas avançar uma luta independente do governo Lula, do PT e da pseudoesquerda ao seu redor, além dos sindicatos controlados por eles. Isso significa formar comitês de base afiliados à Aliança Operária Internacional de Comitês de Base (AOI-CB) para unificar suas lutas com seus irmãos e irmãs internacionalmente. 

Em países como os EUA e o Canadá, onde os os trabalhadores dos Correios estão enfrentando as mesmas ameaças que os brasileiros e neste ano realizaram protestos e greves traídas pelos sindicatos, esses comitês foram formados para se opor aos cortes de empregos, à intensificação da jornada de trabalho e ao consequente crescimento dos acidentes de trabalho, além da causa principal desses ataques: o sistema capitalista. Fazemos um apelo para os trabalhadores dos Correios do Brasil iniciando suas lutas juntem-se a esse movimento.

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