Publicado originalmente em inglês em 3 de dezembro de 2025
Os cinemas dos Estados Unidos estão atualmente exibindo “Nuremberg”, um filme do diretor James Vanderbilt sobre o julgamento feito em 1945 dos líderes sobreviventes da Alemanha nazista por “crimes contra a paz, crimes de guerra, crimes contra a humanidade e um plano comum ou conspiração para cometer esses crimes”.
O tribunal de Nuremberg criou a estrutura operacional atual do direito internacional, segundo a qual políticos e líderes militares que travam guerras de agressão e cometem crimes de guerra são considerados criminosos individuais.
O tema do filme não poderia ser mais oportuno. Ele foi lançado em meio a uma crise cada vez mais profunda em torno do governo Trump por causa de uma série de assassinatos no Mar do Caribe e no Oceano Pacífico. Desde 2 de setembro, o governo Trump matou pelo menos 83 civis em 21 ataques com mísseis contra 22 embarcações tripuladas por pessoas desarmadas e indefesas, que foram acusadas, sem provas, de transportar drogas.
Em 28 de novembro, o Washington Post noticiou que, no primeiro desses assassinatos, realizado por um ataque com mísseis em 2 de setembro, o secretário da Guerra Pete Hegseth emitiu uma ordem para “matar todos” e, em conformidade com essa ordem, um segundo míssil foi lançado, matando os sobreviventes do primeiro ataque.
Essas revelações surgiram em meio a uma crise dentro do Estado americano que se intensificou em 18 de novembro, quando um grupo de legisladores democratas divulgou um vídeo lembrando aos soldados americanos seu dever de obedecer ao direito internacional e recusar ordens ilegais.
Explicando o vídeo, a senadora Elissa Slotkin disse em 23 de novembro no programa de entrevistas “This Week” que ele foi motivado pelos ataques com drones de Trump no Caribe e seu envio de tropas para cidades americanas. Comentando que “existem coisas tais como ordens ilegais”, Slotkin disse: “Desde Nuremberg, ‘Bem, eles me mandaram fazer isso, é por isso que matei pessoas’ não é uma desculpa”.
A criminalidade descarada do governo Trump levantou quase que necessariamente a questão dos crimes de guerra e do direito internacional. O nível de gangsterismo e imundície que vem da Casa Branca marca uma mudança qualitativa. Porém, não existe nenhuma discussão séria por parte do Partido Democrata ou da mídia sobre o contexto político e histórico reais e o que deu origem a Trump.
De fato, há mais de duas décadas, o World Socialist Web Site tem apontado para a importância do precedente de Nuremberg no contexto da eclosão do imperialismo americano.
Em 2004, em um debate na Sociedade Filosófica do Trinity College, em Dublin, na Irlanda, o presidente do Conselho Editorial Internacional do World Socialist Web Site, David North, fez comentários focados na importância da proclamação da doutrina da guerra “preventiva” pelo governo Bush. North observou que os julgamentos de Nuremberg estabeleceram o princípio de que a guerra de agressão é “o crime internacional supremo”.
O tribunal declarou explicitamente que estava estabelecendo um precedente que vinculava não apenas as potências derrotadas do Eixo, mas também as potências aliadas vitoriosas, incluindo os Estados Unidos. North citou o juiz da Suprema Corte Robert Jackson, que chefiou a equipe da acusação americana, dizendo:
Se certos atos em violação de tratados são crimes, eles são crimes quer os Estados Unidos os cometam, quer a Alemanha os cometa, e não estamos dispostos a estabelecer uma regra de conduta criminosa contra outros que não estaríamos dispostos a invocar contra nós.
Jackson acrescentou: “Passar a estes acusados um cálice envenenado é pôr esse cálice em nossos próprios lábios”.
North observou que “muita coisa mudou desde que essas palavras foram proferidas”. Ele escreveu que, hoje,
O imperialismo americano, em busca da hegemonia global, é o principal instigador da violência, da exploração e da desumanidade no mundo atual. A sua política externa assumiu o caráter de um vasto exercício criminoso internacional.
O contexto dessa avaliação foi a invasão ilegal do Iraque, iniciada em 2003 durante o governo Bush, que foi seguida por uma série de guerras de agressão durante e após a dissolução da União Soviética, incluindo a primeira Guerra do Golfo em 1991, durante o governo de George H. W. Bush, e a guerra contra a Sérvia em 1999, durante o governo Clinton.
A guerra contra o Iraque fez parte da “guerra contra o terror”, iniciada em 2001, que foi usada para legitimar não apenas a guerra de agressão — primeiro contra o Afeganistão e depois contra o Iraque —, mas também assassinatos, tortura e vigilância doméstica em massa sem mandado judicial. O vice-presidente Dick Cheney declarou na época: “Temos de trabalhar o lado sombrio... Vamos passar um tempo nas sombras”.
Como parte da Segunda Guerra do Golfo, o governo Bush criou uma série de prisões secretas ao redor do mundo, para onde levou milhares de pessoas que foram sequestradas ilegalmente por meio da política de “extradição extraordinária”. A Casa Branca instituiu uma política de tortura, dando o rótulo de “técnicas de interrogatório” para “táticas” como “afogamento simulado”, “walling” [técnica de tortura em que uma uma pessoa é arremessada contra a parede] e “reidratação retal”.
Resumindo os crimes do governo Bush, o ex-presidente Barack Obama afirmou com ironia: “Nós torturamos algumas pessoas”. Mas Obama introduziu suas próprias inovações, incluindo centenas de ataques com drones que mataram entre 2.500 e 4.000 pessoas. A política de assassinatos sem o devido processo legal, incluindo de cidadãos americanos, era tão difundida que um complexo sistema burocrático foi criado para selecionar vítimas em reuniões semanais chamadas “terças-feiras do terror”.
O primeiro governo Trump, com base nesse legado de criminalidade, perdoou o Fuzileiro Naval Eddie Gallagher, que esfaqueou um prisioneiro adolescente até a morte e depois tirou uma foto com o cadáver. Isso intensificou a agressão dos EUA no exterior, incluindo o assassinato do general iraniano Qassem Soleimani em Bagdá.
Coube ao governo Biden reintroduzir o genocídio — o mais horrível e característico dos crimes dos líderes nazistas. Biden financiou, armou e defendeu politicamente o genocídio israelense em Gaza, fornecendo a Israel milhares de bombas de 955kg usadas para massacrar pelo menos 60 mil palestinos, a quem o secretário de Defesa israelense Yoav Gallant — indiciado este ano por crimes de guerra — chamou de “animais humanos”.
O segundo governo Trump está no topo dessa pilha de cadáveres. Trump, um admirador de Adolf Hitler, defende abertamente a tortura, o assassinato e a limpeza étnica em um grau sem precedentes na história americana. O fato de ele ter sido promovido a chefe do Estado americano é uma prova de todos os crimes que precederam sua ascensão.
Se o assassinato de civis desarmados no Caribe produziu uma crise dentro do establishment político dos EUA, isso aconteceu porque setores das forças armadas veem essa criminalidade desenfreada como algo que desacredita completamente todo o projeto de dominação global dos EUA. Os setores mais perspicazes do establishment político dos EUA acreditam que, para ter sucesso na dominação do mundo por meio da força militar, o imperialismo americano deve promover a pretensão de que está defendendo o direito internacional.
Mas essa pretensão é uma fraude. Os meios criminosos usados pelo imperialismo americano na busca por sua dominação global são o resultado de seus objetivos criminosos. Todo o projeto estratégico do imperialismo americano, de usar seu poder militar para compensar sua hegemonia global em declínio, é uma conspiração para travar uma guerra de agressão naquilo que o tribunal de Nuremberg definiu como “crimes contra a paz”. É esse projeto que vomitou Donald Trump e sua camarilha fascista.
Os trabalhadores em todos os Estados Unidos e em todo o mundo devem tirar as lições da experiência da erupção do imperialismo americano. A luta para defender os direitos democráticos, econômicos e sociais dos trabalhadores exige a luta contra a guerra imperialista e a construção de um movimento global contra a guerra da classe trabalhadora.
