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Perspectivas

América Latina surge como novo epicentro da COVID-19

Publicado originalmente em 14 de maio de 2020

O número total de casos confirmados de coronavírus no continente americano ultrapassou pela primeira vez aquele da Europa, anunciou a Organização Mundial de Saúde (OMS) na quarta-feira. O número total de casos reportados oficialmente nas Américas atingiu 1,74 milhão, em comparação com 1,73 milhão na Europa.

Embora essa mudança tenha importância indiscutível, os próprios números são universalmente considerados uma grosseira subestimação da real disseminação do vírus mortal, tanto nos Estados Unidos como em áreas cada vez mais amplas da América Latina.

Constituindo 5% da população mundial, os EUA respondem por mais de um quarto dos casos confirmados em todo o mundo (mais de 1,4 milhão) e cerca de um terço das mortes (aproximadamente 85 mil). Não poderia haver acusação mais irrefutável do capitalismo estadunidense e da incompetência e indiferença criminosas da administração Trump e de toda a oligarquia dominante estadunidense em relação à vida das pessoas.

Porém, o deslocamento do epicentro da pandemia do continente europeu para o americano também é impulsionado pela disseminação cada vez mais fora de controle na América Latina, onde a velocidade com que o número de casos aumenta está entre as mais altas no mundo.

Coveiros colocam cruzes sobre uma vala comum depois de enterrar cinco pessoas no cemitério Nossa Senhora Aparecida em Manaus, Brasil na quarta-feira, 13 de maio de 2020. A nova seção do cemitério foi aberta no mês passado para lidar com o surto de mortes. (AP Photo/Felipe Dana)

As condições sociais e econômicas preexistentes, que tornaram a América Latina a região mais socialmente desigual do mundo, estão impulsionando a propagação do vírus mortal. Um século de opressão e exploração econômica pelo imperialismo dos EUA, em conjunto com os governos de gananciosas burguesias nacionais determinadas a colocar o peso completo da crise sobre a classe trabalhadora, deixaram as massas de trabalhadores da América Latina entre as mais vulneráveis à pandemia.

A disseminação do coronavírus teve impactos em toda a região, incluindo o aumento do desemprego e da pobreza, revoltas sangrentas entre os 1,5 milhão de presos no continente em prisões superlotadas, que resultaram em centenas de mortes, e uma intervenção crescente dos militares na vida política e social.

As cenas terríveis registradas pela primeira vez na cidade costeira de Guayaquil no Equador, de corpos deixados nas ruas, repetiram-se nas cidades de Manaus, no Brasil, e Iquitos, no Peru, e em outros lugares. Em cada vez mais países, a saúde está sendo sobrecarregada em conjunto com os necrotérios e cemitérios, onde enterros em valas comuns estão sendo feitos em várias grandes cidades. Os orçamentos da saúde estão sendo impiedosamente cortados pelo cumprimento de sucessivos programas de ajuste estrutural.

Os exemplos mais marcantes da disseminação descontrolada do vírus e da negligência e indiferença criminosas das classes dominantes capitalistas em relação ao seu custo humano estão nos dois maiores países da região - em termos populacionais e econômicos - México e Brasil.

Ambos tiveram seu dia de maior número de mortes confirmadas pela COVID-19 na terça-feira, com 881 no Brasil e 353 no México.

Em ambos os países, esses novos recordes de mortes são em grande parte de caráter simbólico. Todos sabem que o número real é muito maior.

No Brasil, as 881 mortes não representam uma contagem das 24 horas anteriores, mas das mortes que tiveram sua causa confirmada nesse tempo, sendo algumas dias antes. Ao mesmo tempo, o governo reconhece que existem ainda 2.050 pessoas mortas presumidamente pela COVID-19, mas que ainda não foram confirmadas. Além disso, outros milhares de brasileiros mais pobres morreram em suas casas nos bairros lotados de classe trabalhadora e nas favelas de São Paulo, Rio de Janeiro e outras cidades sem quaisquer cuidados médicos.

Um estudo realizado pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo estima que o número de casos é 15 vezes superior ao número oficial; ou seja, aproximadamente três milhões. No Brasil, a quantidade de testes realizados é dez vezes menor do que nos EUA, onde os testes são completamente insuficientes.

No México, os 38.324 casos e 3.926 mortes confirmadas são uma fração do número real de mortes pela pandemia. Apenas na Cidade do México, as autoridades médicas contaram milhares de mortes que não foram reportadas pelo governo. Os hospitais estão sendo sobrecarregados com vítimas da COVID-19, incapazes de admitir novos pacientes. Caixões tem sido empilhados do lado de fora dos crematórios da cidade. O México realizou a menor quantidade de testes dos 36 países membros da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico)

Apesar dessa situação, os governos de Brasília e da Cidade do México se uniram aos patrões para forçar a volta dos trabalhadores às fábricas e ambientes de trabalho, expondo-os à doença e à morte para proteger os interesses do lucro.

O presidente fascista do Brasil, Jair Bolsonaro, expressou os interesses da classe capitalista brasileira e do capital financeiro mundial da maneira mais brutal, proclamando que todas as atividades industriais e da construção civil são “serviços essenciais”. Ele se reuniu com líderes empresariais em uma “marcha” até o Supremo Tribunal Federal brasileiro para exigir que as limitadas medidas de quarentena impostas pelos estados fossem derrubadas.

Previamente ridicularizado como um lunático por descartar o coronavírus como “uma gripezinha”, Bolsonaro tem surgido agora como o porta-voz mais consistente dos interesses capitalistas. Na quarta-feira, em um discurso para os seus apoiadores de extrema-direita, ele resumiu diretamente o ultimato sendo dado para a classe trabalhadora brasileira: “O povo tem de voltar a trabalhar. Quem não quiser trabalhar, que fique em casa, porra. Ponto final”.

Ao mesmo tempo, sete mil quilômetros ao norte na Cidade do México, o presidente Andrés Manuel López Obrador realizou uma coletiva de imprensa na quarta-feira na qual ele proclamou haver “uma luz no fim do túnel” e que um “novo normal” estava começando no México. Ou seja, os trabalhadores mexicanos deveriam ser colocados de volta nas maquiladoras insalúbres e fábricas automotivas na fronteira, assim como nas indústrias de mineração, construção civil e outras, após centenas de trabalhadores já terem perdido suas vidas para a COVID-19.

López Obrador não estava agindo apenas no interesse dos capitalistas mexicanos, mas sob as ordens da administração Trump e das fabricantes automotivas, de armas e de outras indústrias dos EUA, cujas cadeias de abastecimento dependem da produção no México.

Desde os trabalhadores das maquiladoras em Ciudad Juarez, Tijuana, Mexicali e Reynosa no México, até os trabalhadores de call center e entregadores de aplicativos em todo o Brasil, entraram em greve e protestaram contra as tentativas de forçá-los a continuar trabalhando mesmo enquanto os seus colegas ficam doentes e morrem no período de trabalho. A campanha redobrada de retorno ao trabalho em ambos os países levará a uma explosão da luta de classes.

Diante da pandemia mortal do coronavírus, o ex-capitão do exército sociopata e fascista, Bolsonaro, e López Obrador - que tem sido promovido pela pseudo-esquerda internacional como um representante “progressista”, “esquerdista” e até “socialista” do povo mexicano - chegaram à mesma política, defendendo os interesses das oligarquias nativas e do capital financeiro internacional às custas das vidas dos trabalhadores.

Nada poderia demonstrar mais diretamente a necessidade inevitável da mobilização política independente da classe trabalhadora em toda a América Latina contra todos os partidos políticos e estruturas institucionais existentes, que representam os interesses das classes dominantes capitalistas e do imperialismo. Isso inclui não apenas os governos de extrema-direita de Bolsonaro, Piñera no Chile e Duque na Colômbia, mas também os supostos nacionalistas burgueses “de esquerda” como López Obrador, os “socialistas bolivarianos” da Venezuela e o aparato burguês corrupto do Partido dos Trabalhadores (PT) no Brasil.

A tarefa decisiva colocada pela pandemia do coronavírus e a sua intensificação da luta de classes é a construção de uma nova liderança revolucionária na classe trabalhadora baseada na luta para unir os trabalhadores de toda a América Latina com os trabalhadores nos Estados Unidos e internacionalmente, em uma luta comum para pôr fim ao capitalismo. Isso significa a construção de seções do Comitê Internacional no Brasil, México, e em todo o hemisfério.

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