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Greves e protestos de enfermeiros respondem à explosão de casos de COVID-19 no Brasil

Publicado originalmente em 22 de maio de 2020

Com o Brasil tendo se tornado oficialmente o terceiro país com maior número de infectados por COVID-19 no mundo, caminhando rapidamente para ser o epicentro global da pandemia, as massas da classe trabalhadora brasileira já enfrentam uma situação de calamidade generalizada.

No Amazonas, o primeiro estado a decretar colapso de seu sistema de saúde, a doença já está disseminada por todos os municípios do interior. A cidade com maior taxa de mortalidade por COVID-19 em todo o país é Tabatinga, com um índice de 70 mortes a cada 100 mil habitantes. Tabatinga está localizada no sul do Amazonas, na região do Alto Solimões, que possui mais de 200 aldeias indígenas ameaçadas de serem dizimadas pelo vírus.

São Paulo, o estado mais populoso do país, lidera o ranking de infecções com cerca de 70.000 casos reportados até quarta-feira e mais de 5.000 mortes. De acordo com o monitoramento realizado por pesquisadores da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, o número real de casos no estado já ultrapassaria os 800 mil.

Protesto de enfermeiros em Belém do Pará, Brasil.

Seis hospitais públicos em São Paulo, capital, que soma mais da metade dos casos e óbitos do estado, já têm 100% de seus leitos ocupados. O novo coronavírus se espalha com maior força e rapidez nos bairros da classe trabalhadora, com alta concentração de habitantes e infraestrutura extremamente precária. O bairro com maior número de casos e mortes segue sendo a Brasilândia, que possui 260 mil habitantes, nenhum hospital e mais de 150 mortos. Nos bairros periféricos da Zona Sul de São Paulo, o número de mortes dobrou nos últimos 15 dias.

Na segunda-feira, um protesto saiu de Paraisópolis, um dos bairros maiores e mais pobres da Zona Sul de São Paulo, em direção ao Palácio dos Bandeirantes, a sede do governo do estado. Eles denunciavam o abandono dos moradores à fome, com falta constante de água e sem assistência de saúde. A manifestação foi barrada pela tropa de choque da Polícia Militar.

No Rio de Janeiro já foram confirmados mais de 30 mil casos e mais de 3 mil óbitos. A explosão de mortes por insuficiência respiratória aponta para a existência de, na verdade, praticamente o dobro de mortes por COVID-19 do que o registrado pelo governo. O sistema de saúde do estado entrou em colapso no início de maio, com 98% dos leitos de UTI ocupados.

As favelas do Rio de Janeiro, que somam denúncias de falta de água e fome, já têm mais mortes por COVID-19 do que 15 estados do Brasil. O site Maré de Notíciasreportou a alta subnotificação de mortes pela nova doença no Complexo da Maré, um conjunto de 16 favelas com mais de 140 mil habitantes. Apesar de, até 4 de maio, estarem confirmados apenas seis óbitos na comunidade, diariamente seus moradores mandam mensagens nos grupos de WhatApp relatando a morte de familiares com síndromes respiratórias.

A doença e a fome nas favelas se cruzam com a brutal violência do Estado, com incursões policiais cotidianas que resultam em chacinas de seus moradores. Além da operação que deixou 13 mortos no Complexo do Alemão na última sexta-feira, um garoto de 14 anos foi assassinado pela polícia em São Gonçalo, região metropolitana do Rio de Janeiro, no início desta semana. Na quarta-feira, outro jovem, de 18 anos, foi morto pela polícia enquanto participava de uma distribuição de cestas básicas na comunidade Cidade de Deus, na zona oeste do Rio.

A doença está se espalhando também pela população carcerária brasileira, a terceira maior do planeta. São 729.949 presos no Brasil, abarrotados em prisões superlotadas, 160 por cento acima de sua capacidade. Quase um terço das prisões não possuem qualquer sistema de saúde e 30 por cento dos casos de tuberculose de todo o país estão dentro das cadeias – o que dá um potencial devastador à COVID-19.

O Estado brasileiro adotou uma política criminosa em relação à população carcerária e tem liberado o mesmo número de presos que a média dos últimos 6 meses. As visitas foram proibidas, assim como o envio de pacotes pelas famílias. A sobrevivência de boa parte dos presos depende do recebimento desses pacotes, contendo remédios e itens básicos, como papel higiênico e alimentos.

Essa situação está gerando revoltas dos presos e suas famílias. No Amazonas, uma rebelião violenta irrompeu na Unidade Prisional Puraquequara no dia 2 de maio. Os presos protestavam contra a comida estragada que lhes é servida e a ausência de qualquer assistência médica.

Na última segunda-feira, familiares protestaram pelos direitos dos presos nos estados da Bahia e Piauí, ambos no nordeste do Brasil, segurando cartazes com os dizeres: "Presos tem seus direitos também" e "Coronavírus mata".

Em Teresina, capital do Piauí, onde ao menos 47 presos da Cadeia Pública de Altas possuem quadros de COVID-19, as famílias marcharam até a sede do governo, erguendo cartazes que diziam: "Chega de tratarem os internos como bichos".

No mesmo dia, também em Teresina, ocorria um outro protesto de trabalhadores. Os enfermeiros e técnicos de enfermagem do Hospital de Urgência de Teresina (HUT) se manifestavam contra a falta de equipamentos de proteção individual (EPI) após a morte de uma colega, a técnica de enfermagem Solange Mourinho de 60 anos, vítima da COVID-19.

Os profissionais de saúde do HUT denunciam o alto índice de contaminação, sobretudo nas alas "não-COVID", onde os trabalhadores estão ainda menos equipados e acabam entrando em contato com pessoas infectadas pela doença. Eles também exigem um adicional de insalubridade de 40% para todos, independente da ala em que trabalhem.

O coronavírus mata mais enfermeiros no Brasil do que em qualquer outro lugar do mundo. Segundo o Conselho Federal de Enfermagem (Cofen) existem 15 mil enfermeiros brasileiros infectados e 137 mortos pela COVID-19. No mundo inteiro,

o Conselho Internacional de Enfermeiros registra aproximadamente 260 mortes.

Na semana passada, o Conselho Federal de Medicina (CFM) brasileiro divulgou ter recebido cerca de 17 mil denúncias de médicos que atuam em centros de atendimento à COVID-19. A principal delas – quase 40 por cento do total – é a falta de EPIs, seguida pela falta de insumos, exames e medicamentos e a falta de profissionais nas unidades.

Os trabalhadores têm respondido com uma série de manifestações combativas, em muitos casos organizadas de forma independente e criticando a passividade das organizações profissionais.

Entre a semana passada e esta semana, foram registrados dezenas de protestos e greves de trabalhadores da saúde em: Porto Alegre, Rio Grande do Sul, e Ponta Grossa, Paraná, na região Sul; na cidade de São Paulo e em Santos, na capital do Rio de Janeiro, e em Belo Horizonte, Minas Gerais, na região Sudeste; em Goiânia, Goiás, e no Distrito Federal, no Centro-Oeste; em Salvador, Bahia, e Teresina, Piauí, na região Nordeste; em Rio Branco, Acre, e Macapá, Amapá, na Região Norte.

Enquanto os trabalhadores protestam pela vida, o conjunto da burguesia e seus representantes políticos avançam uma agenda radicalmente contrária. Em todas as partes do país, as medidas de distanciamento social estão sendo derrubadas e está sendo forçado um retorno ao trabalho na maior parte dos setores.

Toda a indústria automobilística voltou a produzir. Desde o início da semana, a General Motors retomou a produção em suas fábricas em São Caetano do Sul e São José dos Campos, no estado de São Paulo, e a Volkswagen voltou a produzir em sua planta em São José dos Pinhais, no Paraná.

Na semana passada, a Fiat retomou a produção na fábrica de Betim, Minas Gerais, com mais de 4 mil funcionários, ao mesmo tempo que a Jeep retomava suas atividades no Pernambuco.

Na quarta-feira, a empresa transnacional de processamento de carne JBS, sediada no Brasil, conseguiu reabrir seu frigorífico de Passo Fundo, Rio Grande do Sul, que fora fechado no final de abril pela Gerência Regional do Trabalho após o local ter sido comprovado como um criadouro da COVID-19. Foram registrados 94 casos entre funcionários da fábrica e 7 mortos entre seus familiares.

A reabertura da unidade de Passo Fundo é resultado de uma batalha travada ao longo de semanas pela JBS, com apoio da mídia, do governador do estado Eduardo Leite do PSDB, e do Tribunal Superior do Trabalho.

O risco à vida de centenas de trabalhadores e suas famílias na unidade de Passo Fundo, assim como de outros milhares de trabalhadores de frigoríficos que continuarão operando no país, é completamente secundário frente aos interesses de lucro dos acionistas da JBS. Nesta quinta-feira, a XP Investimentos recomendou fortemente a compra de ações da JBS, afirmando que possuem um potencial de alta de 66,3%.

Com milhares e milhares de trabalhadores sendo enviados para locais de trabalho que são verdadeiros covis da COVID-19, uma nova onda de pacientes gravemente doentes irá invadir os hospitais já lotados de todo o Brasil.

A situação já catastrófica dos profissionais de saúde será agravada. Mais médicos, enfermeiros e atendentes serão infectados e seu trabalho, que já se estende por jornadas exaustivas, será redobrado. A escolha de quais pacientes ganharão uma chance de sobreviver e quais serão deixados para morrer se tornará rotineira.

A classe trabalhadora só é capaz de enfrentar essa situação através da luta para tomar o controle de toda a sociedade das mãos da elite financeira e empresarial.

Os operários devem estar organizados dentro das fábricas através comissões de segurança sanitária, eleitas pelos próprios trabalhadores e completamente independentes dos sindicatos. Essas comissões devem determinar os procedimentos seguros de trabalho – auxiliadas por profissionais da saúde e cientistas – e ter o poder de interromper a produção sob qualquer situação de ameaça aos trabalhadores.

Nos bairros, são os próprios trabalhadores, e não a polícia, que devem zelar pela segurança e o distanciamento social. Para assegurar as condições de sobrevivência das massas da população trabalhadora, as fortunas da elite capitalista precisam ser expropriadas e direcionadas para fornecer um rendimento decente a todas as famílias.

Os profissionais de saúde devem gerir o sistema de saúde, determinando os procedimentos seguros de trabalho. Os leitos do sistema privado devem ser abertos para atender a todos os pacientes, sem indenização às empresas capitalistas da saúde.

Esses objetivos só podem ser alcançados pela mobilização política independente da classe trabalhadora brasileira, unificada ao movimento mundial dos trabalhadores que enfrentam essas mesmas condições, e assumindo uma direção socialista e revolucionária.

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