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Brasil ultrapassa 350.000 casos de COVID-19 e políticos aceleram reabertura da economia

Publicado originalmente em 26 de maio de 2020

Na segunda-feira, pela primeira vez, o Brasil anunciou mais mortes em um só dia do que os Estados Unidos. No domingo, o país latino americano contabilizou 703 mortes, enquanto os EUA registraram 617. O Brasil já tem mais de 23.000 mortes confirmadas.

O país é atualmente o segundo com maior número de casos confirmados de COVID-19 no mundo, 367.906 no total. Está abaixo dos Estados Unidos, que possui 1.697.182 casos e logo acima da Rússia, com 353.427 casos confirmados.

O índice de testagem do Brasil, porém, é significativamente menor do que o desses dois países, com apenas 3.461 testes por milhão de habitantes, em comparação a 46.456 testes por milhão de habitantes nos Estados Unidos e 61.300 testes por milhão de habitantes na Rússia.

Uma estimativa baseada em parâmetros da London School of Hygiene and Tropical Medicine aponta que, no Brasil, somente um em cada 20 casos de COVID-19 é notificado. Isso se traduziria num número real de casos que ultrapassa os 7 milhões.

Como consequência do avanço selvagem do vírus, o sistema precário de saúde do país está colapsando em todas as regiões.

Coveiros colocando cruzes sobre uma cova coletiva, após terem enterrado cinco pessoas no cemitério Nossa Senhora Aparecida em Manaus, em 13 de maio de 2020. (AP Photo/Felipe Dana)

O estado de São Paulo é o centro da doença com 83.625 casos e 6.220 mortes. A capital já tem mais de 90 por cento dos seus leitos de UTI ocupados, apesar das centenas de novos leitos abertos em hospitais de campanha. Treze hospitais na região metropolitana de São Paulo estão lotados e a doença se espalha com maior velocidade (até quatro vezes mais rápido) pelas cidades do interior do estado.

Em segundo lugar está o estado do Rio de Janeiro, com 37.912 casos e 3.993 mortes confirmados. Assim como São Paulo, a ocupação dos leitos de UTI também atingiu a marca de 90 por cento e há mais de 200 pacientes aguardando por tratamento intensivo. Existem indícios de alta subnotificação de óbitos por COVID-19, que chegariam ao dobro do registrado pelo governo.

Apesar disso, os governadores direitistas desses estados – João Doria do Partido Social Democrata Brasileiro (PSDB), governador de São Paulo, e Wilson Witzel do Partido Social Cristão (PSC), governador do Rio de Janeiro – estão impulsionando uma retomada geral das atividades econômicas.

Doria planeja a reabertura até 1º de junho, mas frisa que 74 por cento da economia já está aberta e somente 26 por cento segue fechada. Na semana passada ele já se reuniu com associações do comércio para discutir seu retorno.

Witzel também apresentou um programa de retomada das atividades econômicas na semana passada. Ele determinou que, assim que a taxa de ocupação dos leitos de UTI cair para entre 90 e 70 por cento, será liberada, entre outras coisas, a reabertura dos comércios e a volta dos jogos esportivos com até 50% de lotação dos estádios.

Nesta segunda-feira, o comércio foi reaberto em Duque de Caxias, a segunda cidade mais afetada pelo coronavírus no Rio de Janeiro, causando aglomeração nas ruas. A justificativa apresentada é totalmente absurda – uma vez que novos leitos foram criados, o sistema de saúde já comporta mais doentes e, sem arrecadação, não haverá dinheiro para pagar os médicos.

Os mesmos passos, exigidos pelo conjunto da classe capitalista, estão sendo dados em todo o território nacional.

Na semana passada a reabertura dos comércios foi anunciada pelos governadores que se reivindicam de esquerda dos estados do Nordeste: Flávio Dino, do Partido Comunista do Brasil (PCdoB), governador do Maranhão, e Camilo Santana, do Partido dos Trabalhadores (PT), governador do Ceará. O Ceará é um dos estados mais afetados pelo coronavírus no país, já tendo passado de 36 mil casos e 2,4 mil mortes, mais da metade delas na capital Fortaleza.

Nesta segunda-feira, foi suspenso o "lockdown" do estado do Pará, que durou cerca de duas semanas e teve baixa efetividade, atingindo um pico de pouco mais de 50 por cento de isolamento social. Vizinho do Pará, o estado do Amazonas, que foi palco das maiores calamidades associadas ao coronavírus e registrou mais de 1.000 novos diagnósticos somente no último domingo, planeja a reabertura do comércio no 1º de junho.

Entre as ações mais criminosas da burguesia brasileira está a retomada da atividade comercial em Belo Horizonte, a capital de Minas Gerais. Ela foi diretamente promovida pelo presidente da Federação das Indústrias de Minas Gerais, Flávio Roscoe, que disse numa entrevista na semana passada: "Não adianta a indústria rodar, se o comércio estiver parado".

Ele prosseguiu: "Atividades, como o comércio de rua e lojas com pequeno fluxo de pessoas, não oferecem real risco. Se o álcool em gel for dado nas portas e as máscaras forem utilizadas, você está protegido. A indústria mineira não parou em nenhum momento por causa da COVID-19… O risco de contágio no estado é um dos mais baixos do Brasil."

As alegações de Roscoe estão baseadas na ocultação direta dos fatos. Milhares de vítimas de doenças respiratórias têm sido enterradas em Minas Gerais sem serem testadas para COVID-19. Dados do Ministério de Saúde e da Secretaria de Saúde do estado mostram que, em relação ao ano passado, os casos de Síndrome Respiratória Aguda Grave tiveram um salto de 691 por cento e as mortes de 838 por cento.

O próprio Roscoe foi contaminado pelo coronavírus após ter participado da comitiva do presidente fascista Jair Bolsonaro numa viagem a Washington em março, onde se encontrou com Donald Trump. Bolsonaro é o líder político do movimento burguês pela reabertura da economia no país e defendeu uma "guerra aos lockdowns" em nome dos interesses de industrialistas e acionistas.

Apesar da crise profunda que abala o Estado brasileiro e seu governo, Bolsonaro tem sido capaz de promover as políticas de saúde mais reacionárias e criminosas, que levarão à morte deliberada de centenas de milhares de brasileiros.

Após a demissão de dois ministros da Saúde o governo Bolsonaro conseguiu liberar, na semana passada, o uso da cloroquina e hidroxicloroquina a todos os pacientes de COVID-19. O protocolo foi assinado pelo ministro interino da Saúde, o General Eduardo Pazuello que, apesar de não ser médico, Bolsonaro chama de "doutor".

Os testes com a hidroxicloroquina foram suspensos pela Organização Mundial da Saúde (OMS) após a divulgação de um estudo pela revista científica The Lancet que revelou a substância como ineficaz no tratamento da doença e aumentando os riscos de morte dos pacientes.

Mas evidências científicas não irão frear Bolsonaro em sua promoção da cloroquina como a cura milagrosa da COVID-19, uma peça central de sua campanha obscurantista pela reabertura da economia, que segue a todo vapor.

Na segunda-feira, ele anunciou a seguidores que irá forçar a reabertura das igrejas no país. Elas se somarão à série de serviços decretados como essenciais pelo governo ao longo das últimas semanas. Atacando determinações judiciais, Bolsonaro fala abertamente em impor suas medidas à força.

Em uma publicação no Twitter, Bolsonaro se dirigiu aos governadores que "manifestaram publicamente que não cumprirão nosso Decreto n°10.344/2020, que inclui no rol de atividades essenciais as academias, as barbearias e os salões de beleza". Ele concluiu com a perigosa ameaça: "O afrontar o estado democrático de direito é o pior caminho, aflora o indesejável autoritarismo no Brasil".

O "indesejável autoritarismo" se expressou no último domingo em frente ao Palácio do Planalto. Após sobrevoar de helicópteroa Praça dos Três Poderes, num gesto cenográfico, Bolsonaro desceu ao encontro de uma manifestação. Os bandos da extrema direita histérica portavam faixas expressando apoio às forças armadas e atacando o Supremo Tribunal Federal. Bolsonaro desfilou sem máscara entre eles por 40 minutos, tirando fotos e segurando crianças no colo.

De acordo com ele, foi "mais uma [manifestação] espontânea. [É] sinal de que o povo quer liberdade, quer democracia e quer que deixem o presidente trabalhar". Isso é uma mentira completa. Essas manifestações não são espontâneas, mas articuladas por grupos diretamente ligados ao Estado. Elas não representam os sentimentos das amplas camadas da classe trabalhadora, mas os interesses da classe dominante brasileira.

Bolsonaro sabe que suas políticas capitalistas de resposta à crise do coronavírus – ou seja, deixar a população passar fome e deixar que o vírus se espalhe, matando milhares – é extremamente impopular e produzirá ondas de oposição social.

Ele manifestou isso claramente numa reunião com seus ministros de 22 de abril, cuja gravação foi liberada por ordem judicial na semana passada. Ele falou: "O campo fértil pra aparecer um... uns porcaria aí, né? Levantando a... aquela bandeira de... do povo ao meu lado, não custa nada. E o terreno fértil é esse, o desemprego, caos, miséria, desordem social e outras coisas mais."

[9 de maio de 2020]

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