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Dimensão da pandemia de COVID-19 é escondida pelo governo brasileiro para promover reabertura criminosa

Liderando o crescimento devastador da COVID-19 na América Latina, o Brasil superou 1.000.000 casos e 50.000 mortes registrados oficialmente. As médias semanais de novos casos e mortes diários têm crescido continuamente desde que foram noticiadas as primeiras contaminações em março. A última sexta-feira registrou o recorde de 55.209 casos em um único dia, bem como de quatro dias seguidos com mais de 1.200 mortes.

Apesar disso o país inteiro já adotou políticas drásticas de reabertura das atividades econômicas, justificadas sobre falsas alegações de uma 'estabilização' da doença e dos sistemas de saúde.

Trabalhadores protestam após mais de 50 testarem positivo em frigorífico em Cabreúva, São Paulo, na segunda-feira

Os índices obscenos de expansão do vírus estão sendo minimizados pelas autoridades políticas como 'abaixo do máximo projetado', como afirmou Patrícia Ellen, a secretária do Desenvolvimento Econômico de São Paulo, o estado mais afetado do país, que registrou um recorde de 434 mortes em único dia nesta terça-feira.

Mas, por mais assustadores que sejam, os números oficiais são uma subestimação grosseira da realidade, como pesquisadores brasileiros e internacionais vêm alertando há meses.

Nesta segunda-feira, a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou preocupação com a subnotificação de casos no Brasil, revelada pela alta porcentagem de resultados positivos em testes de COVID-19, cerca de 31% no Brasil enquanto em outros países costuma ser 17%.

A contagem oficial das mortes também é amplamente questionada. Pesquisadores apontam, de um lado, para uma explosão do número de mortes por síndrome respiratória aguda grave (SRAG) não especificadas e, de outro, às profundas diferenças entre o total de mortes por causas naturais em 2019 e 2020, que não correspondem aos números atribuídos à COVID-19. Uma reportagem publicada pelo Globono último final de semana reportou que mais de 21.000 mortes registradas como SRAG no país são casos suspeitos de COVID-19.

Desde fevereiro, o estado de Minas Gerais acumula milhares de mortes por SRAG que não foram testadas para COVID-19. Com base em tais falsos números, as autoridades decretaram no final de maio a reabertura do comércio na capital Belo Horizonte. Na ocasião, o prefeito Alexandre Kalil do Partido Social Democrático (PSD) disse que não era ele que estava reabrindo a cidade, mas 'os médicos e a ciência'.

O resultado dessa reabertura irresponsável foi o salto da taxa de ocupação dos leitos de UTI na cidade, de 40% a 74%, o que o 'guardião da ciência' Kalil atribuiu ao uso desleixado de máscaras e churrascos feitos pela população.

Assim como Belo Horizonte, várias cidades brasileiras registraram alta na ocupação de leitos hospitalares nas últimas semanas. Em cidades grandes do interior de São Paulo, hospitais referência no tratamento de COVID-19 já atingiram lotação total e estão recusando novas internações; a capital do Rio Grande do Norte, Natal, tem 100% dos leitos de COVID-19 ocupados; centros de tratamento da COVID-19 em Curitiba, capital do Paraná, e Porto Alegre, capital do Rio Grande do Sul, também atingiram lotação máxima.

Por outro lado, em outras cidades e estados, diminuições da ocupação de leitos de UTI têm sido apresentadas pelas lideranças políticas como sinal de que o vírus está sob controle. Pesquisadores e autoridades médicas também confrontaram esse argumento infundado.

Segundo o professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, Domingos Alves, a diminuição da ocupação ocorre 'pelo simples fato de que o total de leitos disponíveis foi ampliado'. 'Há governadores e prefeitos que têm recorrido a esse truque para dizer que a situação melhorou e fazer a reabertura do comércio, mas, quando você olha, o número de casos está aumentando', afirmou o médico à BBC.

Um levantamento realizado pelo 'Projeto UTIs Brasileiras', da Associação de Medicina Intensiva Brasileira, concluiu que a taxa de mortalidade de pacientes com COVID-19 nas unidades do sistema público chega a 38,5%, o dobro do que nas unidades do sistema de saúde privado, 19,5%.

Essa diferença brutal não está ligada, segundo os pesquisadores, tanto à diferença de infraestrutura entre os dois sistemas, mas à gravidade dos pacientes que recebem terapia intensiva. No sistema público, 66,5% dos pacientes entram na UTI já necessitando de ventilação mecânica, enquanto no privado esse número é de 36,8%.

A política de reabertura da economia despreza totalmente a ciência e segue um único parâmetro: os interesses do lucro capitalista. O principal defensor de tais medidas é o presidente fascista Jair Bolsonaro, que vem promovendo uma campanha feroz contra qualquer forma de contenção do vírus, que envolve a disseminação de curas falsas como a cloroquina e o encorajamento à quebra da quarentena e até invasão de hospitais por seus apoiadores de extrema-direita.

Contudo, essa política de reabertura criminosa foi abraçada por todos os setores do establishment político brasileiro, incluindo a dita oposição do Partido dos Trabalhadores e seus aliados que governam estados do Nordeste.

Um estudo da Universidade de Oxford, publicado nesta segunda-feira, analisou as medidas adotadas em oito das principais capitais brasileiras – São Paulo, Rio de Janeiro, Salvador, Recife, Fortaleza, Goiânia, Manaus e Porto Alegre – e concluiu que todas elas reabriram suas atividades sem atender os requisitos básicos da OMS.

Além da falta generalizada de testes, o Brasil não estão realizando nenhuma medida de rastreamento de contatos, que permitiria isolar o vírus. Falando sobre a situação brasileira, a diretora técnica da OMS Maria Von Kerkhove questionou: 'Onde a transmissão está acontecendo? Em unidades de saúde, em casas de repouso, relacionada a eventos específicos? É preciso ter esses detalhamentos para controlar o vírus'.

A resposta a essas perguntas está sendo bloqueada não só pela incompetência e negligência dos governos, mas por sua condescendência com a continuidade das atividades ligadas à transmissão da doença. Como o World Socialist Web Site reportou na semana passada, o funcionamento de frigoríficos e mineradoras sob condições inseguras provocaram a contaminação de cidades inteiras.

Novos surtos de COVID-19 em dezenas de locais de trabalho pelo Brasil foram reportados nos últimos dias. Esses casos receberam, quando muito, atenção marginal da imprensa e não são apresentados como o fenômeno generalizado que claramente se tornaram.

A indústria frigorífica segue sendo o principal cenário de novas explosões. Na última sexta-feira, um frigorífico da JBS em Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, teve 412 trabalhadores testados positivo para o novo coronavírus. A planta já havia sido interditada no início do mês pela justiça, com a confirmação de mais de 20 trabalhadores infectados, mas foi reaberta quatro dias depois e segue operando até agora.

Outro frigorífico, em Cabreúva, interior de São Paulo, foi ordenado a fechar pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) na semana passada, após mais de 50 trabalhadores testarem positivo e investigações revelarem condições extremamente arriscadas como falta de ventilação e aglomeração nos espaços. Mas a fábrica continuou operando com os funcionários contaminados até que os trabalhadores realizaram um protesto na segunda-feira, forçando seu fechamento.

Novos surtos foram também reportados em agências do Bradesco de todo país. Em Feira de Santana, Bahia, o MPT determinou o fechamento de todas as agências do banco, alegando que a empresa manteve funcionários com sintomas de COVID-19 durante dias no trabalho e, mesmo após cinco deles testarem positivo, se recusou a adotar as recomendações mínimas e impediu a fiscalização de suas instalações.

Na sexta-feira passada, foi noticiada uma explosão de casos de coronavírus numa unidade da Petrobras na Bahia. De acordo com o Correio 24 Horas, existem mais de 200 trabalhadores infectados na refinaria Landulpho Alves, a maioria funcionários terceirizados. Um deles, o operador de sonda de perfuração Johnny Mafort de 36 anos, morreu em meados de abril.

Surtos registrados em várias refinarias e plataformas da Petrobras estão sendo deliberadamente acobertados. Sob a alegação de sigilo médico, o número de trabalhadores mortos pela COVID-19 não é revelado. Desde maio, os boletins da empresa deixaram de divulgar as contaminações entre funcionários terceirizados, excluindo de seus relatórios dois terços dos trabalhadores. Apesar disso, o número de casos confirmados até 15 de junho supera os 1.300.

Na semana passada, o Estadão divulgou que a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) alertou o governo Bolsonaro, já no início de maio, sobre o crescimento acelerado de casos de COVID-19 entre trabalhadores da Petrobras. Uma grande preocupação apresentada pela Abin foi de que os trabalhadores reagissem com uma greve.

Greves e protestos nos locais de trabalho são as formas de oposição mais contundentes às políticas anticientíficas que permitem ao coronavírus se espalhar livremente. Essa resposta tem ganhado um apelo cada vez maior em diferentes setores da classe trabalhadora. Greves contra as condições inseguras estão sendo realizadas nesta semana por profissionais de saúde no Piauí e Espírito Santo e por metroviários em Minas Gerais.

A movimentação dos trabalhadores brasileiros está diretamente conectada e é fortalecida pela oposição crescente dos trabalhadores ao redor do mundo às políticas mortais promovidas pelo capitalismo. Nos últimos dias, o WSWS reportou greves de operários no México e de carteiros na Inglaterra, respondendo à contaminação de seus locais de trabalho.

A pandemia é um problema mundial e só pode ser verdadeiramente enfrentado pela colaboração entre todos países. Enquanto os capitalistas defendem seus 'interesses estratégicos' nacionais que impedem o combate efetivo do vírus, a classe trabalhadora mundial defende interesses comuns que cruzam fronteiras. A unificação global das lutas dos trabalhadores em torno do programa de derrubada do capitalismo e implementação de políticas socialistas emerge como o único caminho para derrotar a pandemia e garantir o futuro da humanidade.

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