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Pacientes morrem asfixiados por falta de oxigênio em hospitais de Manaus

Em meio ao crescimento explosivo do número de internações por COVID-19, a capital amazonense, Manaus, está vivendo dias de terror com o colapso do abastecimento de oxigênio em seus hospitais.

Uma ala inteira de pacientes do Hospital Universitário morreu na noite de quinta-feira por falta de oxigênio, seis pessoas no total. As mortes foram reportadas pelo Ministério Público Federal (MPF), que também afirmou que faltou oxigênio em 200 leitos de UTI nesse mesmo dia. O MPF não descarta que outras pessoas tenham morrido sob condições semelhantes.

Imagens impactantes de profissionais de saúde em desespero, incapazes de evitar a morte de seus pacientes, causaram comoção nacional. Vídeos da chegada de balões de oxigênio a hospitais em estado colapso, enquanto familiares de pacientes clamavam pelas vidas de seus entes queridos, circularam nas redes sociais nesta sexta-feira.

Uma mulher, cujo pai está internado, chora durante protesto em frente ao Hospital 28 de Agosto em Manaus, Amazonas, quinta-feira, 14 de janeiro, 2021. (AP Photo/Edmar Barros)

Apesar de novas provisões de oxigênio terem chegado na cidade, a situação crítica prevalece. Segundo o Ministério da Saúde, 480 pessoas aguardam na fila por um leito de UTI. O infectologista da Fiocruz Amazonas, Jesem Orellana, relatou que “alguns profissionais de saúde agora de manhã [nesta sexta-feira] estavam temerosos de que o quantitativo de oxigênio não fosse suficiente para chegar à meia-noite com todos os pacientes adequadamente ventilados”.

O maior hospital de Manaus, o 28 de Agosto, foi cercado pela Polícia Militar para impedir que familiares desesperados forcem a entrada no hospital lotado. O supervisor de cirurgia do 28 de Agosto, José Francisco dos Santos, afirmou ao Correio do Povo:"Há pessoas morrendo na maca da ambulância porque não tem como entrar no hospital... A má gestão da saúde do Estado é que deixou chegar a esse ponto”.

O Correio do Povo também reportou que o hospital está pedindo às famílias dos pacientes para trazerem seus próprios balões de oxigênio. Santos disse que médicos estão diminuindo o fluxo de oxigênio dos pacientes para lidar com a carência: "É uma medida de emergência, mas que também tem consequências. Os pacientes ficarão com sequelas pois permanecerão por muito tempo com fluxo baixo de oxigênio. Continuamos em pé de guerra".

A empresa responsável pelo abastecimento de oxigênio em Manaus, a White Martins, declarou que a demanda de oxigênio aumentou em cinco vezes nos últimos 15 dias devido à alta nas internações. A demanda por oxigênio chegou a 70 mil metros cúbicos por dia, mais do que o dobro exigido no primeiro pico da pandemia em maio, quando chegou a 30 mil. A capacidade de produção local é de 28 mil metros cúbicos.

Enquanto os hospitais colapsam sem oxigênio, as taxas de contaminação crescem velozmente. Na quinta-feira, o estado do Amazonas registrou um recorde de 3.816 contaminações em um único dia, indicando que a superlotação do sistema de saúde pode chegar a níveis ainda mais explosivos.

Pacientes de COVID aguardam atendimento no superlotado Hospital 28 de Agosto, em Manaus. (Twitter)

Um fator preocupante é a circulação de uma nova variante brasileira do coronavírus, descoberta em Manaus em dezembro. O Centro Brasil-Reino Unido de Descoberta, Diagnóstico, Genômica e Epidemiologia de Arbovírus detectou essa variante do vírus em 42% dos pacientes infectados testados em Manaus entre 15 e 23 de dezembro. Os pesquisadores indicam que ela tem características genéticas semelhantes às novas variações mais infecciosas descobertas no Reino Unido e na África do Sul.

O epidemiologista Jesem Orellana declarou à BBC: “[É] bastante provável que essa possível nova variante seja uma das responsáveis pela forte disseminação viral da covid-19 em Manaus e, portanto, uma ameaça não só para o Brasil, mas para a humanidade”.

A situação de calamidade em Manaus provocou revolta por todo o Brasil contra o governo do presidente fascistoide Jair Bolsonaro. A hashtag #ImpeachmentBolsonaroUrgente atingiu o primeiro lugar nas trending topics do Twitter brasileiro nesta sexta-feira.

Bolsonaro e seu governo tem indiscutivelmente uma responsabilidade criminosa pela catástrofe em Manaus, o que ele nega cinicamente. Com seu desdém característico, o presidente declarou a seus apoiadores na manhã da sexta-feira: "Problemas. A gente está sempre fazendo o que tem que fazer. Problema em Manaus. Terrível, o problema em Manaus. Agora, agora, nós fizemos a nossa parte. Recursos, meios.”

Além de ter apoiado sistematicamente a política de imunidade de rebanho responsável pelo ressurgimento da explosão de contaminações em Manaus, Bolsonaro incitou abertamente a desobediência de ordens de fechamento das atividades econômicas já diante de um iminente colapso do sistema de saúde da cidade.

Em 28 de dezembro, referindo-se a um protesto organizado por empresários do comércio, que serviu como pretexto para o governo do Amazonas recuar de medidas mínimas de restrição durante o final do ano, Bolsonaro celebrou o fato de que “em Manaus o povo ignorou o decreto do governador”, completando: “Nós não aguentamos mais o lockdown, mais medidas restritivas que quebram a economia”.

O governo de Bolsonaro está sendo investigado por ter imposto ao sistema de saúde de Manaus a administração preventiva de medicamentos sem eficácia comprovada para o tratamento da COVID-19, a cloroquina e ivermectina. Isso ocorreu nas últimas semanas, já em meio ao colapso.

Num ofício encaminhando à Prefeitura de Manaus, o Ministério da Saúde, chefiado pelo general Eduardo Pazuello, pediu para visitar os centros de tratamento do coronavírus nesta segunda-feira, "para que seja difundido e adotado o tratamento precoce como forma de diminuir o número de internamentos e óbitos decorrentes da doença".

O documento continua: "Aproveitamos a oportunidade para ressaltar a comprovação científica sobre o papel das medicações antivirais orientadas pelo Ministério da Saúde, tornando, dessa forma, inadmissível, diante da gravidade da situação de saúde em Manaus a não adoção da referida orientação [ênfase nossa]".

Tendo pessoalmente incitado o desafio às ordens de fechamento de atividades econômicas e imposto a utilização de tratamentos anticientíficos, o governo de Bolsonaro também está respondendo à calamidade em Manaus impulsionando sua campanha militarista.

O vice-presidente, o general Hamilton Mourão, indicou que a falta de oxigênio em Manaus estaria diretamente relacionada à falta de recursos às Forças Armadas, como grandes aviões: “[C]hega nessa hora a gente vê que não pode a deixar aquilo que é a nossa última reserva, as Forças Armadas, sem terem as suas capacidades", declarou.

Como no resto do mundo, a luta contra a pandemia no Brasil provou-se uma luta da classe trabalhadora contra o capitalismo e guinada da classe dominante a formas ditatoriais de poder.

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