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47 anos da Revolução dos Cravos

Parte 3

Publicado originalmente em 17 de julho de 2004

Esta é a última parte de uma série de três artigos publicados no WSWS quando, em 2004, a Revolução dos Cravos completou 30 anos. A primeira parte foi publicada em 27 de abril e a segunda em 1˚ de maio. Paul Mitchell é membro do Partido Socialista pela Igualdade (SEP) do Reino Unido.

Os grupos radicais de classe média

A Frente de Unidade Revolucionária (FUR) foi uma frente popular estabelecida para trair a revolução no momento mais crítico e receber o apoio da maioria dos grupos radicais. Esses grupos reivindicavam as propostas do Movimento das Forças Armadas (MFA)/Comando Operacional do Continente (COPCON) como “base válida de trabalho para a elaboração de um programa político revolucionário” e defendiam que as assembleias, consideradas “órgãos autônomos do poder popular”, constituíam “um caminho para o processo revolucionário”.

Entre os partidos que assinaram o “Acordo de Unidade” e se juntaram à FUR estavam seções de organizações internacionais que se diziam trotskistas.

A organização International Socialist (IS) (o atual Socialist Workers Party no Reino Unido) estava representada pelo Partido Revolucionário do Proletariado (PRP). Os fundadores da IS haviam rompido com a Quarta Internacional nos anos 1940, alegando que a burocracia stalinista na União Soviética e seus satélites era uma nova classe em um novo sistema social (capitalismo de estado). Isso não só concedeu à burocracia stalinista uma certa legitimidade mesmo considerando seu caráter parasitário, mas expressou uma prostração diante da estabilização do imperialismo do pós-guerra. A fraseologia radical da IS e sua glorificação do sindicalismo combinada com uma postura semianarquista serviram apenas para esconder a sua recusa em desafiar o controle político das burocracias socialdemocrata e stalinista sobre a classe trabalhadora.

O PRP apoiou incondicionalmente o MFA e o COPCON. O partido saudou “a proposta do MFA de aliança entre o MFA e o povo” como uma “grande vitória para aqueles que lutaram durante meses pela construção de conselhos revolucionários”. A proposta do MFA de um “governo militar sem partidos” coincidiu com seu próprio slogan de “um governo revolucionário sem partidos”.

O Secretariado Unificado da Quarta Internacional (SUQI) tinha duas organizações em Portugal – a oficial Liga Comunista Internacionalista (LCI) e uma seção “simpatizante”, o Partido Revolucionário dos Trabalhadores (PRT). O SUQI surgiu de um racha na Quarta Internacional, em 1953. Liderada por Michel Pablo, a maioria da liderança da QI concluiu que o stalinismo tinha se mostrado capaz de derrubar o poder capitalista, e que os estados operários deformados e a burocracia estabelecida na Europa do Leste haviam se tornado o padrão do futuro. A pressão sobre a burocracia – mesmo uma Terceira Guerra Mundial entre a URSS e os Estados Unidos – iria forçá-la a realizar novas lutas políticas, para tomar o poder estatal e instituir “séculos de estados operários deformados”.

O Comitê Internacional da Quarta Internacional rejeitou tais conclusões impressionistas sobre a força do stalinismo alcançada pela IS e o SUQI e defendeu a análise feita por Leon Trotsky de que ou a classe operária removeria a burocracia parasitária numa revolução política ou a burocracia supervisionaria a restauração do capitalismo.

Em sua revista internacional Intercontinental Press, o SUQI rejeitou as propostas da assembleia do MFA, dizendo que Otelo Saraiva de Carvalho estava tentando estabelecer uma “ditadura militar não partidária”.

Embora isso fosse formalmente correto, o SUQI se orientou para o Partido Socialista Português (PSP) e para a Assembleia Constituinte, saudando-a como “o único fórum em que os problemas das massas podiam ser discutidos abertamente”. Ao invés de convocar comissões de trabalhadores genuinamente independentes, o SUQI disse que os chamados aos sovietes eram “antidemocráticos” e “irreais”.

Em Portugal, ambas as organizações pablistas apoiaram o MFA e o COPCON, apelando para que formassem “uma unificação real e sólida com o movimento das massas exploradas”. O PRT declarou que sua anterior caracterização do MFA – “um movimento burguês ... defendendo os interesses fundamentais do capital” – estava errada, uma vez que agora estava introduzindo a “dualidade de poder” e as comissões militares tinham se tornado “uma iniciativa no poder do soviete”.

A incapacidade do SUQI de fornecer uma análise consistente dos acontecimentos em Portugal, particularmente em seus períodos mais críticos, foi demonstrada na edição de 4 de agosto de 1975 da Intercontinental Press. Um artigo dizia que não havia ameaça de um golpe militar, enquanto outro dizia que os eventos estavam caminhando para uma ditadura militar aberta. Na edição de 8 de setembro, um editorial do teórico chefe do SUQI, Ernest Mandel, alterou sua linha anterior, condenando a Intercontinental Press por seu apoio à Assembleia Constituinte e criticando a LCI pela forma como colaborava com o Partido Comunista Português (PCP) na FUR.

Essa crítica não foi feita do ponto de vista de que deveria haver uma luta irreconciliável para a classe trabalhadora romper com a direção contrarrevolucionária do stalinismo, mas porque Mandel acreditava que os portugueses não haviam “aproveitado a oportunidade de liderar o PCP para tomar uma posição sobre a implementação das tarefas essenciais necessárias para o progresso da revolução”.

O apoio ao MFA e ao COPCON veio dos cerca de 70 outros partidos radicais.

O Movimento de Esquerda Socialista (MES), que havia surgido de um racha no PCP, disse em 1973 que “o apoio da classe trabalhadora ao MFA deve andar de mãos dadas com o apoio do MFA à classe trabalhadora”. Afirmou que não era o momento certo para formar um partido – e que o PCP era “o único partido capaz de mobilizar as massas”.

A Liga de Unidade e Ação Revolucionária (LUAR) havia se formado em 1967 como um grupo de ação direta concentrado em questões locais sob o slogan “socialismo de baixo”. Essa organização ofereceu apoio condicional ao MFA por suas “medidas progressistas”, alegando que permitiriam aos trabalhadores “criar os embriões de formas alternativas de organização social”.

Havia também vários grupos maoístas, o mais importante dos quais era o Movimento Reorganizativo do Partido do Proletariado (MRPP). O MRPP se separou do PCP em 1970, que passou a ser chamado por ele de “social-fascista”. O grupo se alinhou abertamente com a burguesia. Nas eleições presidenciais de junho de 1976, o MRPP pediu que seus apoiadores votassem em Ramalho Eanes, o candidato da lei e ordem do PSP. O líder do MRPP, Arnaldo Matos, chamou o COPCON de “a força policial mais democrática do mundo”, para depois prender mais de 400 militantes do MRPP na região de Lisboa, em maio de 1975, usando informações contidas em antigos arquivos policiais secretos.

O único “legado” duradouro do MRPP é que José Manuel Durão Barroso, líder da organização durante a revolução, é agora primeiro-ministro do governo de coalizão direitista liderado pelo Partido Social Democrata.

O COPCON se dissolve

Diante da contínua agitação durante o “verão quente” de 1975, o “Grupo dos Nove” oficiais ao redor de Melo Antunes no Conselho da Revolução alertou que o estado estava “degenerando em anarquia” e persuadiu a maioria dos delegados do exército a tirar Vasco Gonçalves do poder. Tendo perdido a maioria, o primeiro-ministro Gonçalves renunciou. O Quinto Governo Provisório, dominado pelo PCP, diante de um apelo da classe trabalhadora para tomar o poder, simplesmente renunciou junto com Gonçalves.

O PSP e o Partido Popular Democrático (PPD) voltaram a integrar o Sexto Governo Provisório – ainda com o PCP – liderado pelo Almirante José Baptista Pinheiro de Azevedo. Imediatamente o governo circulou um plano secreto conhecido como o “Plano dos Coronéis”, apelando para a implementação do plano econômico de Antunes para revitalizar o setor privado e reestruturar o setor estatal. O plano defendia que existissem leis para punir civis armados, a formação de Grupos de Intervenção Militar para desmantelar o COPCON e um expurgo de unidades militares sob influência esquerdista, a devolução do jornal República ao PSP e a “resolução do problema” da Rádio Renascença. Os trabalhadores da Rádio Renascença haviam assumido a estação, que era de propriedade da Igreja Católica, e havia se tronado a principal porta-voz da FUR.

A crise chegou ao seu ponto mais alto. O recém-formado Sexto Governo Provisório e o Conselho da Revolução sofreram oposição de tantos setores da sociedade que existia uma situação de dualidade de poder.

Em 29 de setembro, o primeiro-ministro Pinheiro de Azevedo ordenou a ocupação militar de todas as estações de rádio. O COPCON jurou “defender os trabalhadores”.

Em 7 de novembro, os emissores da Rádio Renascença foram explodidos. No dia seguinte, não tendo aprendido nada, o PRP apelou aos oficiais do MFA para que liderassem uma insurreição armada, dizendo: “Conhecendo a devoção ao processo revolucionário de muitos oficiais do Exército e da Marinha, e conhecendo também as posições que ocupam no nível de comandos de unidade, é fácil pensar em um esquema baseado em uma república por estas tropas, em uma operação do tipo 25 de abril”.

O PRP continuou: “Como toda a história mostra, a burguesia promove a guerra civil para defender seus interesses. Felizmente, em Portugal, a direita não tem um exército. Eles dependem de mercenários com bases na Espanha, ou dos exércitos dos EUA e da OTAN.”

Em poucos dias, a direita mostrou quão errado o PRP estava. O coronel António dos Santos Ramalho Eanes declarou um estado de emergência em 25 de novembro de 1975. O exército e a Frente Militar Unida (FMU), que incluía o MRPP, Antunes e Ramalho Eanes, avançaram para desmantelar barricadas e desarmar trabalhadores e soldados com quase nenhum tiro disparado. O COPCON, juntamente com organizações militares de “base”, como os Soldados Unidos Vencerão (SUV), que nas semanas anteriores havia mobilizado dezenas de milhares em manifestações, se dissolveram diante de cerca de 200 soldados.

Em janeiro de 1976, os preços dos alimentos aumentaram em 40%, a Rádio Renascença foi devolvida à Igreja e a maior parte da polícia secreta da PIDE foi solta.

Uma nova constituição foi proclamada em 2 de abril de 1976, prometendo ao país a realização do socialismo. Declarou irreversíveis as nacionalizações e ocupações de terras. Várias semanas depois, foram realizadas eleições para o novo parlamento, a Assembleia da República, que levaram a uma vitória do PSP. Quase imediatamente, o primeiro-ministro Mário Soares recorreu ao FMI e implementou um programa de ajuste estrutural.

Ao longo dos anos, a burguesia retomou o que havia sido forçada a conceder. O atual governo de Durão Barroso está completando a devastação das condições sociais com suas políticas de flexibilização (exploração) do trabalho, redistribuição da riqueza para os ricos e privatização

A burguesia portuguesa resistiu à revolução graças à traição do PCP e seus apêndices radicais, que amarraram a classe trabalhadora aos partidos burgueses, à máquina estatal e ao MFA. O sucesso da Revolução dos Cravos teria sido um duro golpe para o capital internacional e teria inspirado os movimentos que se desenvolveram em todo o mundo nos anos 1970.

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