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Professores e funcionários públicos de São Paulo entram em greve contra ataque às aposentadorias

Dezenas de milhares de professores e funcionários públicos da cidade de São Paulo paralisaram seu trabalho e se manifestaram em frente à prefeitura na quarta-feira, 13 de outubro. Eles lutam contra um pacote de austeridade promovido em regime de urgência pelo prefeito Ricardo Nunes (MDB) que terá profundo impacto sobre suas aposentadorias e condições de trabalho.

Na quinta-feira, o projeto de lei foi levado à votação repentinamente e aprovado com votos favoráveis de 37 dos 53 vereadores, o mínimo de votos exigido. O projeto precisa ainda passar por uma segunda votação antes de ser definitivamente aprovado. Em resposta, trabalhadores que participavam de um novo protesto diante da prefeitura votaram em assembleia a favor de uma greve a partir de hoje.

Professores e funcionários públicos manifestam-se diante da prefeitura de São Paulo em 13 de outubro de 2021. (crédito: WSWS)

Há uma revolta generalizada dos trabalhadores municipais de São Paulo contra o projeto de Nunes, que é visto como apenas o mais recente de uma série de ataques às suas aposentadorias e salários desferidos pelos prefeitos anteriores do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) – Bruno Covas e João Doria – e do Partido dos Trabalhadores (PT) – Fernando Haddad.

Em 2018 e 2019, greves e manifestações massivas dos funcionários municipais de São Paulo foram traídas descaradamente pelos sindicatos que os representam oficialmente. Essas derrotas permanecem entaladas em suas gargantas, como afirmou um trabalhador.

Em 2021, os mesmos sindicatos sabotaram uma longa greve dos professores municipais contra a reabertura das escolas em meio ao descontrole da pandemia de COVID-19. Ao longo dos quatro meses de greve, os sindicatos recusaram-se a convocar qualquer manifestação ou assembleia (como as realizadas nesta semana). Assim como em 2019, a greve foi encerrada por um golpe antidemocrático do Fórum das Entidades, encabeçado pelo SINPEEM, o maior sindicato da categoria.

O acordo criminoso entre o Fórum dos sindicatos e a Prefeitura para a volta insegura das aulas presenciais incluiu a exigência de que os educadores pagassem as horas paradas. Em função disso, os professores estão hoje afogados em horas-extras, expondo-se ainda mais ao risco de contaminação pelo coronavírus, para não terem seus salários cortados. Essa situação, que ameaça os professores que participem da nova greve de terem seus salários integralmente cortados, é vista por muitos trabalhadores como a oportunidade percebida pelo governo para avançar seus ataques.

A ampla adesão dos funcionários municipais ao movimento de luta é uma resposta direta à grave crise social enfrentada por toda a classe trabalhadora brasileira. Com milhões tendo sido lançados às fileiras da miséria no Brasil desde o ano passado, os trabalhadores estão vendo seu poder de compra ser violentamente corroído pela alta inflação especialmente dos preços de alimentos e combustíveis. Recentemente, greves em defesa dos salários foram deflagradas na General Motors, em São Paulo, no estaleiro Jurong, no Espírito Santo, entre metalúrgicos do Paraná e entregadores de aplicativos em diferentes cidades brasileiras.

O World Socialist Web Site entrevistou trabalhadores que participavam do protesto de quarta-feira em São Paulo.

Leandro, que trabalha num Centro de Educação Infantil (CEI), atendendo crianças menores de dois anos, explicou ao WSWS o que o levou à manifestação. “Nós que temos dois cargos, que trabalhamos 12 horas por dia, pagamos a alíquota máxima de 27,5% de imposto de renda e mais 14% de aposentadoria”, afirmou. “Ou seja, quase metade do que eu ganho é só imposto. Querem elevar ainda mais isso. E depois de aposentado, apesar de ter contribuído por mais de 40 anos, vou continuar pagando essa mesma alíquota. Hoje, essa porcentagem só é cobrada sobre a parte que excede o teto do INSS (R$ 6.433,00). Com essa mudança a cobrança vai ser para todos que recebem acima de um salário-mínimo.”

A esposa de Leandro, Kauane, educadora numa Escola Municipal de Educação Infantil (EMEI), atendendo crianças de 2 a 6 anos, complementou dizendo que é impensável “um professor com 60 anos numa sala de educação infantil, com crianças de colo [como impõe o novo projeto de lei]. Ele não tem estrutura física nem psicológica para aguentar.”

Ela também observou que “nos últimos quatro anos estamos sem reajuste salarial, nem da inflação. Mas nossas últimas lutas têm sido só contra a retirada de direitos. Estamos perdendo direito atrás de direito. Vemos todos os serviços sendo sucateados, não há nenhum investimento na saúde. Nós somos números. Acontece qualquer coisa com a gente, amanhã vem outro no nosso lugar. Não somos vistos como seres humanos, que têm família.”

Kauane e Leandro possuem filhos, um deles com asma, e disseram estar seriamente preocupados com a reabertura insegura das escolas. Na quarta-feira, horas antes da manifestação, o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), anunciou o retorno obrigatório das aulas presenciais nas escolas estaduais com 100% das salas de aula ocupadas, eliminando qualquer distanciamento entre os alunos. Mais tarde, o prefeito Nunes declarou que a mesma medida será seguida pelas escolas municipais.

“Agora teve a notícia de que vai abrir 100% e temos uma preocupação muito grande, principalmente com as crianças que não foram vacinadas”, disse Kauane. “Enquanto não for seguro e eu puder, meus filhos vão ficar em casa. Mas a gente sabe que não é realidade de todo mundo. Tem criança menor cujos pais precisam trabalhar e tem muito pai que não tem com quem deixar a criança.”

A professora de educação infantil, Sheila, declarou que o movimento de greve é também “pela educação pública de qualidade”. Ela suas colegas de CEI também denunciaram o funcionamento homicida das escolas em São Paulo. “Como a gente vai pegar bebês de um ano, que estão começando a andar, e não ter essa proximidade? Foi realmente um ato impensado do prefeito”, elas declararam.

“No começo tinha poucas crianças, mas agora já está praticamente lotado”, disse Sheila. “Assim que liberou 60% [de ocupação dos CEIs] várias crianças no nosso CEI tiveram COVID. Passou uns 10 dias e já começou crianças apresentando sintomas básicos como coriza, mal-estar. Agora eu pergunto, como é que a gente ia garantir segurança para crianças tão pequenas? Era inevitável o contágio”.

Ela contou que “em outros CEIs na proximidade do nosso, alguns professores faleceram de COVID e não foram computados. Em nenhum momento foram mencionados na rede de televisão tanto professores como as crianças que apresentaram COVID positivo. Foi simplesmente: ‘professores voltem, as famílias precisam’, nunca se preocuparam com a contaminação.”

A mesma situação é denunciada pelos educadores das escolas de ensino fundamental (EMEFs). Márcia, uma professora de educação artística na zona leste de São Paulo, afirmou que a situação “está um caos”. “Toda semana, na escola que eu estou tem dois ou três afastados por COVID, funcionários e crianças. Eles dispensam somente os que frequentam a mesma sala, mas nós que somos professoras especialistas e damos aula em todas as salas, não somos afastadas. Está super insalubre”.

A manifestação teve uma participação significativa de funcionários aposentados, que sofrerão imediatamente um corte de 14% dos seus rendimentos com a aprovação do projeto de lei. A professora de inglês aposentada, Amália, declarou: “Estou nos movimentos há 40 anos e poucas vezes não participei. Os professores municipais estão sempre solapados, por falta de funcionários, de salários.”

“Os vereadores deveriam ter o papel de defender a gente contra projetos autoritários do governo, mas o que acontece é que temos que lutar contra o governo e os vereadores”, ela continuou. “O serviço público é sucateado, todo mundo fala isso. Na minha opinião, a intenção desses governos é privatizar. Enquanto isso, a gente paga impostos absurdos que ninguém explica. O que eu quero saber é para que serve o Estado.”

A professora de inglês, Tatiana, colega de Márcia, afirmou que “enquanto essas pessoas estiverem no poder, eu acho muito difícil resolvermos esses problemas, é como dar murro em ponta de faca. Até a gente ter um governo popular mesmo, para os trabalhadores, não tem muita perspectiva”.

Falando sobre as últimas greves, ela afirmou que “a atuação do sindicato foi triste. É a mesma coisa que eu vi [com o sindicato dos professores estudais, APEOESP] na greve dos 90 dias (2015). Vi eles parando a greve apesar da votação pela continuidade e aqui foi a mesma coisa. Eu acho triste, porque a gente não sabe quem está do nosso lado de verdade”.

Os sindicatos e partidos políticos ligados a eles, centralmente o PT e o PSOL, estão mais uma vez se esforçando para desviar os trabalhadores de um enfrentamento ao sistema capitalista que é responsável pelos sucessivos ataques aos servidores públicos e a toda classe trabalhadora.

Essas forças políticas defendem como única estratégia viável para o movimento dos trabalhadores fazer pressão sobre os “vereadores indecisos” para “virar o voto”. Em seus discursos, os sindicalistas afirmam que um acerto de contas com os vereadores que votarem contra os trabalhadores será feito nas próximas eleições: em 2024! Essa proposta criminosa expõe o caráter reacionário dos sindicatos e da pseudoesquerda, que agem para desarmar a classe trabalhadora diante do Estado burguês.

Professores e funcionários públicos manifestam-se diante da prefeitura de São Paulo em 13 de outubro de 2021. (crédito: WSWS)

Outros dirigentes sindicais que tomaram o palanque afirmaram que somente a eleição de um novo governo de Lula, do PT, solucionará verdade’iramente os problemas dos trabalhadores. Essa perspectiva é uma fraude completa. Lula está trabalhando abertamente para reestabelecer suas alianças corruptas com os partidos de direita e para se apresentar à classe capitalista como seu melhor representante para conter uma iminente explosão da crise social no Brasil e defender seus interesses econômicos contra a classe trabalhadora.

O trabalhadores municipais de São Paulo só poderão avançar sua luta através do rompimento com o controle político dos sindicatos, o PT e seus satélites da pseudoesquerda. Eles não podem aceitar novas traições e o rompimento de suas greves pelas mesmas manobras antidemocráticas usadas em 2019 e na greve anterior deste ano!

Os trabalhadores de São Paulo devem se orientar não ao Estado burguês, mas aos seus companheiros de classe pelo Brasil e ao redor do mundo que enfrentam os mesmos ataques da classe capitalista.

Uma rebelião dos trabalhadores de base já está se crescendo ao redor do mundo. Em 1º de outubro, pais e trabalhadores de base convocaram uma greve independente contra a reabertura insegura das escolas, recebendo apoio mundialmente. Uma segunda greve está sendo chamada para hoje, 15 de outubro. Nos Estados Unidos, está emergindo a mais forte onda de greves em décadas, com os trabalhadores recusando contratos podres acordados entre os sindicatos e empresas.

Os trabalhadores no Brasil devem se unir a esse movimento global formando comitês de base independentes em todos os locais de trabalho e aderindo ao Comitê de Base pela Educação Segura no Brasil (CBES-BR). O CBES-BR convoca todos os trabalhadores a participar do evento “Como acabar com a pandemia: a necessidade da erradicação” promovido pela Aliança Operária Internacional de Comitês de Base (AOI-CB) e o WSWS.

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