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A trajetória política de Pierre Lambert (1920-2008)

Este artigo foi publicado originalmente em 7 de setembro de 2008 como parte de uma série sobre a greve geral e a revolta estudantil de 1968 na França. Ele trata da linha centrista desenvolvida nos eventos de 1968 pela Organização Comunista Internacionalista (OCI) de Pierre Lambert, que viria a romper com Comitê Internacional da Quarta Internacional em 1971. No final dos anos 1970 e início dos anos 1980, os seguidores da OCI e de Lambert no Brasil, a Organização Socialista Internacionalista (OSI) e sua organização de juventude, a Liberdade e Luta (Libelu), tiveram um destacado papel na formação do Partido dos Trabalhadores (PT). Nos anos 1980, parte da OSI, que mais tarde viria a ser identificada com o nome de seu jornal, O Trabalho, se liquidou na tendência de Lula no PT, a Articulação, e nos anos 2000 vários de seus ex-membros viriam a ocupar cargos de destaque no governo Lula, como Glauco Arbix, Clara Ant, Antônio Palocci e Luiz Gushiken.

Como resultado da incapacidade da britânica Socialist Labour League (Liga Socialista dos Trabalhadores - SLL) em analisar a degeneração política da Organização Comunista Internacionalista (OCI), sua história permaneceu obscura por muitos anos. Pouco se sabia sobre o desenvolvimento político da OCI, seus debates internos e a trajetória de seus líderes.

Nos últimos 15 anos, porém, um grande número de memórias pessoais, trabalhos de história de qualidade variada e estudos acadêmicos sérios sobre a história do movimento trotskista apareceu na França. Uma das principais razões para o crescente interesse foi a eleição de Lionel Jospin, um ex-membro da OCI, como primeiro-ministro em 1997, e os sucessos eleitorais consideráveis dos autoproclamados trotskistas Arlette Laguiller e Olivier Besancenot.

Em setembro de 2006, Jean Hentzgen submeteu sua dissertação de mestrado, um estudo detalhado sobre a história da OCI em seus primeiros anos de vida, à faculdade de história da Universidade de Paris, sob a direção de Michel Dreyfus, autor de Histoire de la CGT e historiador dos modernos movimentos operários franceses. [1]

Com base em extenso material de arquivo, entrevistas com testemunhas vivas e escritos já existentes, o autor forneceu um relato da história do setor majoritário do PCI (predecessor da OCI) de 1952 até 1955. Em 1952, Michel Pablo expulsou a maioria da seção francesa, o PCI, da Quarta Internacional porque ela se opunha à sua política do “entrismo sui generis”, isto é, a entrada no Partido Comunista Francês com base na dissolução do PCI enquanto organização independente. Em 1953, a maioria do PCI estava entre as organizações que fundaram o Comitê Internacional da Quarta Internacional. Em 1965 passou a se chamar OCI.

O trabalho de Hentzgen deixa claro que havia duas correntes dentro da maioria do PCI que sofrera a expulsão. Uma, liderada por Pierre Lambert, era caracterizada pela perspectiva sindicalista. Concentrou seu trabalho nos sindicatos e, depois, nos círculos da socialdemocracia. A outra, liderada por Marcel Bleibtreu, enfatizava a disputa com o Partido Comunista.

O conflito entre essas duas correntes cresceu em intensidade e ressentimento. Em março de 1953, Lambert tomou o lugar de Bleibtreu como líder do PCI. Dois anos depois, Bleibtreu e seus camaradas mais próximos foram expulsos do partido, apesar do protesto do Comitê Internacional. Ambas as frações exibiam fraquezas políticas substanciais, e muitas das complexas questões conectadas à luta contra o revisionismo pablista jamais foram esclarecidas dentro da seção francesa.

Bleibtreu, usando o nome Favre, foi o primeiro a se opor às teses revisionistas de Pablo num encontro do Comitê Executivo Internacional da Quarta Internacional em novembro de 1950. Através de um texto com o título “Para onde está indo Pablo?”, ele submeteu as teses pablistas a uma intensa crítica política e teórica. [2]

O documento foi publicado em junho de 1951 e contribuiu de forma determinante para a orientação política da maioria francesa. Bleibtreu, o líder mais importante da tendência, nasceu em 1918 e juntou-se aos trotskistas franceses em 1934, quando eles trabalhavam dentro da socialdemocrata Seção Francesa da Internacional Operária (SFIO). Após a guerra, ele editou o jornal do partido, o La Vérité, e tornou-se secretário político do PCI. Era um médico por ocupação, e morreu em 2001.

Pierre Lambert (1920-2008) juntou-se ao grupo de Raymond Molinier e Pierre Frank em 1937, que, em consequência de sua linha oportunista, tinha profundas divergências com Trotsky e a seção francesa oficial da época. Durante a guerra, Lambert foi ativo nos sindicatos ilegais e, depois da reunificação dos trotskistas franceses em 1944, liderou seu trabalho sindical. Apoiou a maioria contra Pablo depois de alguma hesitação inicial. Uma das mais importantes razões de seu eventual apoio à maioria antipablista parece ter sido que a política do “entrismo sui generis” ameaçava destruir o trabalho sindical do PCI. Dentro do contexto desse trabalho, muitos jovens camaradas nas fábricas haviam corajosamente enfrentado os stalinistas.

Muitas características das políticas posteriores de Lambert começaram a tomar forma antes da ruptura com os pablistas. Já apontamos que em 1947 ele encaminhou uma resolução no PCI insistindo na completa independência dos sindicatos em relação aos partidos políticos. De 1950 a 1952, Lambert participou na publicação do jornal sindical L’Unité (A Unidade), cujo comitê editorial consistia de sindicalistas de diferentes orientações políticas. Além dos trotskistas do PCI, havia anarquistas e reformistas, incluindo anticomunistas declarados. Alguns deles – como o anarquista Alexandre Hébert, de 1947 a 1992 secretário do sindicato Force Ouvrière na região de Loire Atlantique – mantiveram uma lealdade vitalícia a Lambert.

Em julho de 1952, o PCI realizou seu Oitavo Congresso, onde, pela primeira vez, a maioria e a minoria pablista se reuniram separadamente. Como foco do congresso da maioria estava a luta contra os pablistas, sobre a qual Bleibtreu e Lambert concordavam. Eles também concordavam que o PCI não deveria permitir sua expulsão forçada da Quarta Internacional, mas, em vez disso, necessitava permanecer integrado e lutar por uma mudança de rumo e por sua readmissão.

Tensões, porém, desenvolveram-se ao redor do foco do trabalho político. Embora Bleibtreu rejeitasse a política pablista de liquidar toda a seção no Partido Comunista, ele considerou que fosse necessário desenvolver uma fração secreta, composta por quadros selecionados, dentro do Partido Comunista. De sua parte, Lambert tinha a opinião que a organização era fraca demais para esse trabalho, e preferia concentrar todas as forças políticas do partido no trabalho sindical.

As tensões se aprofundaram nos meses subsequentes. Num encontro do comitê central no final de dezembro, Bleibtreu deu o informe sobre o trabalho político, enquanto Lambert informou sobre o trabalho sindical. Hentzgen resume os pontos de vista opostos da seguinte maneira:

De acordo com Bleibtreu, “o PCI deve ligar a intervenção do partido independente com o trabalho de uma fração secreta, apoiando a formação de oposicionistas esquerdistas [dentro do Partido Comunista]. O partido revolucionário será desenvolvido com base nessa oposição de esquerda”.

De acordo com Lambert, “a primeira tarefa dos revolucionários consiste em reconstruir as organizações sindicais extremamente enfraquecidas: primeiro a CGT, mas também a FO. O trabalho ativo nos sindicatos permitirá que os trotskistas penetrem nas massas e se ancorem nelas. Pela eficácia de seus slogans e pelas ações que propõe, os trotskistas terão sucesso em mobilizar os trabalhadores para a ação, gradualmente assumindo o papel de liderança.” [3]

Ambos os pontos de vista estavam intimamente próximos daqueles dos pablistas, que diziam que um partido revolucionário não surgiria do quadro existente da Quarta Internacional, mas a partir de uma fração de esquerda dentro das organizações stalinistas ou reformistas influenciadas pelos trotskistas.

As esperanças de Bleibtreu no desenvolvimento de uma oposição de esquerda dentro do Partido Comunista Francês (PCF) encontraram sua mais clara expressão na aliança com André Marty. Esse stalinista veterano, cuja fama se devia a um motim em um navio de guerra francês perto de Odessa em 1919, foi secretário da Internacional Comunista de 1935 a 1943 e organizou as brigadas internacionais na Guerra Civil Espanhola. Ele caiu em desgraça em 1952 e foi expulso do PCF. Apesar das ações brutais de Marty contra os Oposicionistas de Esquerda na Espanha terem lhe rendido o nome de “açougueiro de Albacete”, e apesar de haver pouco indício de um acerto de contas de Marty com seu passado stalinista, Bleibtreu o considerava o líder de uma oposição de esquerda.

Bleibtreu se encontrava pessoalmente com Marty, que proclamava um interesse na colaboração, mas que estava também em contato com os pablistas. A maioria do PCI conduziu uma campanha para defender Marty, e para tanto criou os Comités de redressement communiste (Comitês de Reorganização Comunista), que deveriam formar uma oposição esquerdista contra a liderança stalinista. Em janeiro de 1953, o La Vérité apelou a Marty: “Vá adiante e você se tornará primeiro o líder e, então, o organizador dos proletários revolucionários deste país!”. [4]

Bleibtreu cortejou Marty por aproximadamente três anos, encontrando considerável oposição dentro do PCI. Bleibtreu ganhou a reputação de advogar o “pablismo sem Pablo”, o que minou consideravelmente sua autoridade. Em março de 1953, ele era minoria no comitê central e assim Lambert assumiu a liderança do PCI.

Enquanto Bleibtreu mantinha contato com André Marty, Lambert nutria grandes expectativas por um outro membro-líder do Partido Comunista Francês, Benoit Frachon, o dirigente da federação sindical CGT.

Em 1951 e novamente em 1953, Frachon apelou para a unidade na ação de todos os sindicatos e assim ganhou total apoio de Lambert. As tensões entre Frachon e outros líderes do PCF nunca assumiram o caráter de divergências fundamentais. Na realidade, a virada da CGT para a “unidade em ação” vinha do fato de que o PCF estava considerando a possibilidade de se juntar ao governo e procurava por isso uma reaproximação com os partidos reformistas.

Em 1954, o PCF apoiou um governo de coalizão entre socialistas, socialistas radicais e gaullistas de esquerda, todos sob Pierre Mendès-France. Lambert, porém, afirmou que o aparato da CGT – contrário àquele do PCF – estava amarrado às massas.

A reivindicação de unidade estava no centro do trabalho sindical do PCI. Desde 1953, fez um chamado para se organizarem “Sessões pela unidade dos sindicatos na ação” para juntar representantes de diferentes organizações sindicais local e nacionalmente. Membros do PCI nos sindicatos foram instruídos a ligar todos os problemas da manutenção dos sindicatos ao slogan de “Sessões nacionais pela unidade dos sindicatos na ação”.

O PCI manteve uma posição quase totalmente acrítica em relação aos líderes sindicais. Em março de 1954, organizou uma conferência nacional que estava expressamente centrada em uma “unidade democrática”, e não no programa do partido. A participação de Georges Frischmann nessa conferência, secretário-geral do sindicato dos carteiros e dirigente do alto escalão da CGT, foi celebrado como grande sucesso político. Posteriormente, o “Comitê Permanente das Sessões” enviou uma delegação com três trotskistas a várias sedes de sindicatos, incluindo a CGT.

Finalmente, Lambert se encontrou pessoalmente com o líder da CGT, Frachon e, por insistência, foi aceito novamente como membro do sindicato do qual havia sido expulso. Frachon não acreditava que a campanha pela unidade dos sindicatos ameaçasse a burocracia.

Em 16 de novembro de 1953, o Socialist Workers Party (Partido Socialista dos Trabalhadores – SWP) americano publicou sua “Carta Aberta”, que defendia a ruptura com os pablistas e o estabelecimento do Comitê Internacional. A carta foi recebida com entusiasmo pelo PCI. Seu isolamento interno agora chegava ao fim.

O La Vérité apareceu com a manchete “O trotskismo triunfará, um apelo dos trotskistas americanos contra os liquidacionistas da Quarta [Internacional]”. Em 23 de novembro, o PCI organizou o primeiro encontro do Comitê Internacional em Paris. Apesar de não ser mais um secretário do partido, Bleibtreu representou o PCI no Comitê Internacional e Gérard Bloch assumiu o papel de seu secretário. Independentemente da mudança, as disputas dentro do PCI continuaram na mesma intensidade.

Mais diferenças foram somadas às que já existiam. Depois da morte de Stalin e da supressão do levante de junho de 1953 na Alemanha Oriental, diferentes avaliações dos partidos stalinistas foram desenvolvidas. A tendência de Bleibtreu argumentava por um apoio crítico às correntes esquerdistas dentro da burocracia, enquanto a maioria do partido ao redor de Lambert e Bloch rejeitava essa posição e chamava por uma rebelião dos trabalhadores — como a que ocorrera na Berlim oriental.

Havia também diferenças em relação aos movimentos de libertação nacional. Lambert – como os pablistas – chamava pelo apoio incondicional a esses movimentos sem qualquer crítica, enquanto a tendência de Bleibtreu dizia que o apoio deveria ser combinado com uma crítica fraternal.

A partir de maio de 1952, o PCI manteve estreitas relações políticas e pessoais com Messali Hadj, o líder do movimento de libertação nacional argelino MTLD (Mouvement pour le Triomphe des Libertés Démocratiques – Movimento pelo Triunfo das Liberdades Democráticas) e MNA (Mouvement National Algérien – Movimento Nacional Argelino). Quando Hadj foi expulso da Argélia pela polícia, os membros do PCI cuidaram de seus filhos. O MTLD era apoiado por muitos trabalhadores argelinos na França, alguns dos quais haviam trabalhado junto ao PCI dentro da CGT. Hadj, porém, nunca deixou de ser um nacionalista burguês.

Com o início da guerra argelina de libertação em 1954, o apoio ao MNA, que por um tempo Lambert comparou a um partido proletário revolucionário, passou para o centro do trabalho do PCI. O PCI assumiu tarefas logísticas e participou no trabalho ilegal. A tendência de Bleibtreu criticou essa posição e acusou a liderança de demonstrar “uma atitude de oportunismo servil quanto ao MTLD e suas deficiências” [5].

Na Argélia, o MNA foi substituído pela Frente de Libertação Nacional (FLN), que emergiu de uma ruptura dentro da organização clandestina armada do MTLD e tinha poucas raízes na classe trabalhadora. A força do FLN vinha tanto ao apoio do governo egípcio de Gamal Abdel Nasser, que supria a organização com armamento, quanto às ações bárbaras contra seus rivais políticos. Hadj reagiu contra seu crescente isolamento se movimentando politicamente para a direita. No verão de 1958, seus apoiadores realizaram negociações com o governo francês e o PCI rompeu relações com ele.

As tensões entre as frações do PCI se tornaram mais amargas ao longo de 1954. O Comitê Internacional, e acima de tudo sua seção britânica, trabalharam em vão para suavizar as tensões e induzir a cooperação entre as duas alas. Finalmente Bleibtreu e dois de seus apoiadores – Michel Lequenne e Lucien Fontanel – foram expulsos devido a uma questão disciplinar: eles responderam a uma intimação policial, contra os desejos do birô político. Na delegacia, se recusaram a dar qualquer declaração, como requerido pela política do partido. Mas o birô político havia exigido que eles ignorassem a intimação, o que teria como consequência a prisão deles.

Em uma declaração datada de 21 de maio de 1955, o Comitê Internacional expressou sua irritação diante da expulsão de Bleibtreu, Lequenne e Fontanel, exigindo que eles fossem readmitidos e representados em todos os principais comitês do partido. Não houve, no entanto, qualquer resultado. O comitê central do PCI rejeitou as exigências do Comitê Internacional.

A tendência de Lambert agora dominava o PCI, que tinha somente um pequeno papel no trabalho do Comitê Internacional. Em 1963, quando o SWP americano se reunificou com os pablistas e juntou-se ao Secretariado Unificado, a seção francesa permaneceu alinhada ao Comitê Internacional. Todos os documentos importantes contra a reunificação, porém, foram escritos pela seção britânica.

Na França, o PCI dedicou-se ao trabalho dentro das fábricas, onde manteve uma aconchegante divisão de trabalho com a oportunista Voix Ouvrière (VO) por muitos anos. Isso acabou só em 1966, após o conflito no Terceiro Congresso Mundial do Comitê Internacional. Desde 1959, as duas organizações haviam conjuntamente produzido e distribuído panfletos nas portas de fábricas. O líder da VO, Hardy, que como vendedor de suprimentos médicos possuía um carro, frequentemente levava Lambert em suas viagens conjuntas.

Depois de sua expulsão, Bleibtreu e Lequenne também se moveram mais para a direita. Tomaram parte na Nova Esquerda, onde desenvolveram sua própria tendência e participaram da fundação do Partie Socialiste Unifié (PSU), um movimento esquerdista guarda-chuva do qual numerosos líderes governamentais e ministros depois iriam emergir. Em 1968, sob a liderança de Michel Rocard, o PSU controlava a federação estudantil UNEF.

Por algum tempo Bleibtreu foi membro do comitê político do PSU, e até serviu como secretário-geral até sua partida em 1964. Depois disso ele foi ativo em um grande número de iniciativas – pela paz no Vietnã, contra a pobreza infantil e, nos anos 1990, contra o embargo ao Iraque. Lequenne foi para a Argélia em 1963 para apoiar o regime nacional, onde se juntou aos pablistas e se tornou membro do Secretariado Unificado. De 1974 a 1995, trabalhou para o jornal Libération. Lequenne morreu em 2006.

O centrismo da OCI, expresso claramente em 1968, tinha uma longa pré-história. Em última análise, ele resultou do abandono pela seção francesa da luta contra o revisionismo pablista.

Referências

1. Jean Hentzgen. “Agir au sein de la classe. Les trotskystes français majoritaires de 1952 à 1955”. Universidade de Paris I, setembro de 2006.

2. Bleibtreu (Favre). “‘Where is Pablo Going?”. Junho de 1951”. In: “Trotskyism versus Revisionism”, vol. 1, Londres, 1974.

3. Hentzgen. Idem, p. 57.

4. Citado por Ibid., p. 60.

5. Citado por Ibid., p. 148.

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