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Diante de preparações golpistas da extrema-direita, Lula busca apoio do imperialismo na COP27

Menos de duas semanas após ser declarado presidente eleito do Brasil, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, do Partido dos Trabalhadores (PT), viajou para a conferência climática da ONU, a COP27, no Egito como parte de uma delegação dos governos estaduais da Amazônia brasileira. O objetivo declarado da viagem, nas próprias palavras do presidente eleito, era anunciar que “o Brasil está de volta” às negociações climáticas, e que isto impulsionaria os esforços internacionais para conter o aquecimento global e a catástrofe climática.

A viagem foi vista interna e internacionalmente como um primeiro ato do novo governo, cuja posse está marcada para 1º de janeiro. Apesar das afirmações sobre uma vontade política renovada para combater as mudanças climáticas, o principal objetivo da viagem de Lula foi buscar apoio para seus esforços para conter a agitação frenética liderada pelo candidato derrotado, o presidente fascistoide Jair Bolsonaro, para minar sua posse e seu futuro governo.

Lula, presidente eleito do Brasil, com enviado especial para o clima e ex-Secretário de Estado dos EUA, John Kerry, na COP27 [Crédito: Ricardo Stuckert] [Photo: Ricardo Stuckert]

Ao apressar a transição do governo com anúncios praticamente diários para a equipe de transição e, em seguida, organizar o encontro de Lula com autoridades dos países imperialistas na COP27, o PT procura retratar o regime de Bolsonaro como morto politicamente e esconder a crise existencial enfrentada pela democracia burguesa brasileira.

Bolsonaro não reconheceu a vitória de Lula, e apesar dos enormes esforços do Supremo Tribunal Federal (STF) e da coalizão de Lula no Congresso, junto aos governadores estaduais que enviaram tropas de choque para liberar as estradas, manifestações fascistoides pedindo que o Exército intervenha em favor de Bolsonaro permanecem às portas de quartéis por todo o país. Com Bolsonaro isolado e em silência, oficialmente devido a uma extensa infecção em suas pernas, o comando militar manifestou-se duas vezes em menos de uma semana para reafirmar que reconhece a legitimidade dos pedidos de golpe, criticando o STF e as “autoridades eleitas” – especialmente o Congresso – por não atender às exigências dos golpistas.

Um relatório das Forças Armadas sobre as urnas eletrônicas, divulgado em 9 de novembro, após uma “contagem paralela de votos” sem precedentes realizada sob as ordens de Bolsonaro, declarou ambiguamente que nenhuma fraude foi detectada, mas também não poderia ser descartada, fornecendo ao presidente e a seus apoiadores fascistas munição política crucial para exigir a anulação das eleições.

Na quarta-feira, o presidente do partido de Bolsonaro, o Partido Liberal (PL), anunciou que iria entrar com uma ação judicial exigindo que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) anulasse todos os votos depositados no segundo turno entre Lula e Bolsonaro, no de 31 de outubro, em até 250.000 urnas eletrônicas fabricadas antes de 2020 – ou mais da metade do total – com base em um questionamento sem provas sobre sua segurança. O partido anunciou que os votos “auditáveis” no segundo turno foram apenas 40% do total, e estes teriam dado a Bolsonaro uma vitória estreita por 51%.

Dada a alta probabilidade de que o TSE viesse a recusar sumariamente o caso, o PL permitirá que os militares alimentem a narrativa de que o Tribunal está sistematicamente minando os outros Poderes de Estado, reforçando a defesa feita pelos comandantes militares do papel do Exército como “poder moderador” na política brasileira – uma referência direta aos poderes absolutos dos antigos imperadores do país como “quarto poder”, com o direito de anular as ações de qualquer outra entidade governamental.

Na formulação mais aberta até agora de tal doutrina política, o comando militar divulgou uma nota sobre as manifestações fascistas em frente aos quartéis declarando suas reivindicações como legítimas, denunciando “restrições a direitos, por parte de agentes públicos”, uma referência às afirmações de Bolsonaro de que o TSE suprimiu seus direitos políticos na campanha, e afirmando que as Forças Armadas sempre foram “moderadoras nos mais importantes momentos de nossa história”. No glossário histórico dos generais brasileiros, o golpe de 1964 que derrubou o presidente eleito João Goulart, do Partido Trabalhista Brasileiro, e inaugurou uma ditadura de 21 anos que fez milhares de vítimas é o mais importante desses momentos de papel “moderador”.

Alguns dias depois, na sexta-feira, o Alto Comando do Exército considerou necessário negar, em mais uma declaração, acusações de grupos de extrema-direita de que cinco generais estariam supostamente bloqueando um golpe por serem “melancias” – que usam uniformes verdes por fora, mas abrigam simpatias socialistas, “vermelhas”, por dentro, supostamente alinhadas com o Partido dos Trabalhadores. Ao invés de negar qualquer discussão sobre um golpe no Alto Comando, a declaração condenou as acusações de que a corporação estaria defendendo as autoridades eleitas do PT como “maliciosa e criminosa tentativa de atingir a honra pessoal de militares com mais de quarenta anos de serviços prestados ao Brasil”.

Os riscos da situação são revelados ainda mais claramente pelo fato de Lula ainda não ter nomeado nenhum representante para liderar a transição de governo em questões de defesa, apesar de ter indicado mais de 100 representantes para mais de 30 grupos de trabalho que abrangem desde economia e agronegócio até habitação e assuntos indígenas.

Em contraste com este cenário de extrema instabilidade, no qual ex-militares de alta patente defendem o direito à rebelião contra as autoridades civis e os comandantes militares afirmam que os golpistas fascistas são as verdadeiras vítimas dos tribunais, manchetes nacionais e internacionais elogiaram a presença de Lula na COP27 como nada menos do que um terremoto político.

A Reuters reportou que “Saudado como uma estrela do rock, Lula promete proteger a Amazônia”. O New York Times publicou como manchete que “Expectativas estão em alta com o discurso de um exuberante Lula na Cúpula do Clima”. Finalmente, a Bloomberg declarou que “A promessa de Lula de salvar a Amazônia lhe garante recepção de herói na COP27”. O presidente francês Emmanuel Macron tuitou elogiosamente que “O Brasil está de volta a uma estratégia amazônica” e anunciou que seu país, que faz fronteira com o norte do Brasil através do seu departamento ultramarino da Guiana Francesa, apoiaria a proposta de Lula de realizar a COP30 no país.

Lula, por sua vez, aproveitou a oportunidade de uma visita adicional a Portugal, na qual se encontrou com o presidente e o primeiro-ministro do país, para desqualificar completamente as ameaças da extrema-direita e, sobretudo, o envolvimento dos militares em tais ameaças. Ele declarou que os militares estavam “tranquilos”, que eles “o conheciam” e que seu governo permitiria ao Brasil “voltar à normalidade entre as Forças Armadas e o governo”. Ele concluiu afirmando estar seguro de que os militares cumpririam seu “compromisso constitucional” e que ele não se deixaria basear “por futrica e por Twitter”.

Toda a avaliação oficial da COP27, incluindo a participação de Lula, como representando um avanço para evitar o colapso catastrófico do clima que ameaça bilhões de pessoas com migração forçada e pobreza, não poderia estar mais longe da realidade. Apesar das palavras extraordinariamente francas do Secretário Geral da ONU, Antonio Guterres, de que o mundo está “em uma estrada de alta velocidade para o inferno climático”, e de um relatório da ONU de que “não há nenhum caminho crível” para limitar o aquecimento global nem mesmo à meta de 1,5 graus Celsius, as tratativas não chegaram a nenhum novo acordo. Em vez disso, os governos imperialistas se dedicaram inteiramente a avaliar os próximos passos na guerra da OTAN contra a Rússia na Ucrânia e a uma nova redivisão das regiões do mundo ricas em recursos naturais, sob o pretexto de dar segurança às cadeias de suprimento necessária para a eletrificação da produção de energia, que tem alta demanda de minerais.

A participação da delegação brasileira esteve inteiramente alinhada com a marcha mundial rumo à guerra. Apesar de algumas palavras de Lula sobre a desigualdade social e o impacto das mudanças climáticas nas nações pobres, o presidente eleito se apresentou como um parceiro confiável dos EUA e das potências imperialistas europeias para conceder acesso à região amazônica, rica em recursos, com sua proposta de sediar a COP30 no estado do Pará. O acesso irrestrito à Amazônia e a toda a América do Sul é crucial para os planos imperialistas de guerra contra a China, dos quais a guerra da OTAN contra a Rússia na Ucrânia é parte.

A necessidade das potências imperialistas de reposicionar suas cadeias de suprimento para longe da Ásia em preparação para a guerra e de minar a presença da China na região está transformando a América do Sul em um dos pontos focais da futura guerra mundial nuclear que está sendo planejada em Washington e nas capitais europeias. Uma tarefa particularmente suja no encobrimento dos objetivos reais da COP27 foi delegada pelo PT ao pseudoesquerdista Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), que enviou duas deputadas indígenas, que são candidatas a capitanear o primeiro Ministério dos Povos Originários da história do Brasil, a posar com falcões da guerra como John Kerry, o enviado especial dos EUA para o clima.

As manobras políticas do PT na COP27 são determinadas acima de tudo por sua absoluta oposição até mesmo a revelar a verdadeira extensão da crise capitalista brasileira e internacional, que está impulsionando o ressurgimento internacional da extrema-direita, por medo de provocar uma reação incontrolável da classe trabalhadora que ameace o próprio capitalismo. Sob tais condições, o partido vê nas potências imperialistas virtualmente sua única base de apoio contra os ataques à democracia burguesa liderados por Bolsonaro. Por sua vez, Washington, Paris e Berlim vêem Lula como mais capaz de proporcionar um governo funcional que colabore com seus objetivos estratégicos de guerra.

Há muito de auto-engano em todas essas avaliações. A crença de Lula de que ele será capaz de equilibrar sua política externa entre as potências imperialistas e a dependência econômica objetiva do Brasil em relação à China não é menos ingênua do que a crença da classe dominante brasileira e internacional de que o PT será capaz de suprimir politicamente a classe trabalhadora brasileira por tempo indeterminado. A extrema-direita brasileira, com o apoio de seções significativas do aparato policial e militar, está se preparando precisamente para tal confronto, seja qual for seu sucesso imediato em impedir a posse de Lula e seu futuro governo. A classe trabalhadora brasileira deve se preparar de forma apropriada, rompendo a camisa de força imposto pelo Partido dos Trabalhadores e adotando uma estratégia socialista e internacionalista para abolir o capitalismo.

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